Editorias, Opinião

O Papel do livro na nossa sociedade

Desde o aparecimento do livro, a sociedade sempre gostou de estabelecer a diferença entre o bom leitor e o mau leitor, bem como entre a boa música e a má música, a boa arte e a má arte. 

Quando apareceram as novelas direcionadas à leitura por parte de um público feminino, foram vários os autores que comentaram, rapidamente, sobre o declínio da qualidade da leitura, por exemplo. Hoje em dia, continuamos a ver o enaltecimento do valor intelectual da literatura considerada clássica, face ao desprezo pela literatura comercial para um grande público. Mas com tudo isto, qual é o papel que o livro ocupa na sociedade contemporânea?

O poder financeiro surge associado ao privilégio da educação de mais elevado nível. Até há uns anos atrás, antes da invenção da imprensa, os livros eram um bem caro, associado a uma elite social. Apesar das tecnologias que levam à produção em massa ou da internet, que facilitaram o acesso das massas aos livros, a associação de certos livros com uma superioridade intelectual mantém-se, mas não só.
Quando vemos certas celebridades a publicarem sobre um livro nas suas redes, muitas vezes a reação inicial do público é assumir que, de facto, a celebridade não leu o livro. Isto acontece porque o que as redes fazem é tornar o indivíduo numa marca, sendo o objetivo principal vender a sua personalidade e aparência, criando uma imagem que corresponda à maneira como cada qual quer ser percepcionado. Então, quando temos, por exemplo, a Gigi Hadid a ler O Estrangeiro de Albert Camus, dá-se uma rotura com a percepção do grande público e torna-se fácil assumir que ela não o leu porque simplesmente “não combina com ela”.

Gigi Hadid com “O Estrangeiro” de Albert Camus, Getty Images


No fundo, temos hoje o livro como acessório, mas apenas se ele comunicar algo que nos convém. Ser visto num transporte público a ler Crime e Castigo, de Dostoievski, não vai dizer o mesmo sobre nós do que se formos vistos a ler People We Meet on Vacation, de Emily Henry. 

Somos seres de comunicação, os livros acabam por comunicar que somos pessoas de elevado intelecto, importadas com a arte, dadas a um certo género de leitura e os valores seguem por aí conforme o livro que nos acompanha na rua ou nas redes. Este fenómeno leva também ao aumento da utilização do livro do domínio da moda, sendo este um elemento que começa a aparecer até mesmo em vários desfiles.
É este fator que levou também a que o livro não fosse substituído pelo kindle, porque este não permite àqueles que nos vêm de fora perceber o que estamos a ler e, portanto, é um acessório um tanto nulo quando queremos mostrar que gostamos de um certo livro, autor ou género. Para além disso, nós, seres humanos, gostamos de nos sentir realizados e de ver o nosso progresso, ou seja, o folhear das páginas que nos aproxima do fim do livro é algo que muitos recusam a trocar pelo digital.

Fonte: Unsplash

Outra diferença que as redes trouxeram para a literatura é a extrema segmentação de públicos alvo, nomeadamente o Tiktok, conhecido por ter uma “área” para os leitores: o booktok. Na verdade isto nada mais é que o algoritmo pessoal a funcionar, mas o certo é que isto tem influenciado até mesmo a maneira como os livros são promovidos. Cada vez mais temos os escritores a publicarem-se em conjunto com os livros e a estabelecer uma estética para os seus livros, comunicando diretamente com um público que quer exatamente aquilo. 

No fim, isto leva a uma estandardização e à utilização de uma fórmula para agradar o grande público, observamos isso principalmente com romances mainstream onde a fórmula é várias vezes repetida, na esperança de agradar a um público que está confortável com a fórmula. Há quem julgue este fenómeno e aponte para um decréscimo da qualidade da literatura, mas também há quem mostre que temos as novas gerações a pegarem em mais livros por causa desta estandardização e apontam que ler é bom, não interessa o que se leia.

Pessoalmente, encontro-me num equilíbrio entre as duas opiniões, ou seja, acredito que de facto há boa literatura e má literatura, acho que o problema surge quando lemos apenas uma delas e denegrimos a outra. Eu tenho os meus momentos, posso numa semana estar a ler Kafka, e na seguinte estar a navegar pelo AO3 em busca de uma fanfic que sei que não vai ser o pico da literatura, mas que, ainda assim, gosto porque continua a ser uma maneira de entretenimento. 

A própria definição de um “mau livro” vai mudar de pessoa para pessoa, e não deve ser sinónimo de “livro popular”. Para mim é um livro escrito por alguém que não acredita no potencial daquilo que está a fazer ou que não se divertiu no processo, algo que é sempre notável. E penso que este é o maior perigo da estandardização e utilização de uma fórmula repetitiva: autores que caem no erro de perder o amor pela escrita em função de maior lucro monetário.

Além de uma sociedade que valoriza mais o dinheiro que a arte, o que precisa de ser trabalhado aqui é o olhar crítico do público para ser também possível encontrar um equilíbrio entre a “boa” e “má” literatura que se consome, como, e qual é a finalidade de ler aquele livro: entreter, aprender, distrair ou outra das mil funções que um livro pode ter?

Fonte da Capa: Unsplash

Revisto por Beatriz Mendonça

AUTORIA

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Com interesses em várias áreas, a experimentação faz parte do currículo da Joana. Atualmente estudante de Publicidade e Marketing na Escola Superior de Comunicação Social, quer desenvolver o amor que tem pela escrita utilizando a Magazine como ponto de partida. Desde a música, passando pela política, filosofia e até ficção, são várias as áreas onde pretende deixar as suas palavras escritas.