A Pele como tela
A história de como alguém se torna tatuador pode ser tão fascinante quanto as próprias obras que cria. A trajetória de Elisa Rezende é um exemplo de como a tatuagem pode ser uma expressão artística profunda e pessoal.
Inicialmente formada em Publicidade e Marketing na Escola Superior de Comunicação Social, Elisa trabalhou na área durante cinco anos. No entanto, a morte da mãe mudou o rumo da sua vida “A minha mãe faleceu repentinamente e eu desisti de tudo. Entre quatro meses de viagem pelo Sudeste Asiático, redescobri a minha paixão pela arte“, conta Elisa.
Passou muito tempo sozinha e encontrou no desenho uma companhia, algo que sempre esteve presente na sua vida, mas que nunca havia considerado uma carreira.
Quando a pandemia chegou, Elisa, como muitos, encontrou-se confinada em casa. Durante este período, já em Portugal, participou num programa de mentoria, onde começou a considerar seriamente a possibilidade de transformar a sua paixão em carreira. “Entrei numa mentoria que ajuda artistas a comercializar as suas obras. No final, pensei: ‘Gosto tanto de tatuagens, porque não transferir a minha arte para a pele?’”, relembra.
Sem experiência no mundo das tatuagens, Elisa começou a praticar com materiais como cascas de banana e pele de porco. “Comprei a máquina mais barata que encontrei na Amazon e comecei a praticar,” diz ela, destacando o apoio crucial de uma amiga tatuadora que a guiou nos primeiros passos. Logo começou a tatuar pessoas no seu quarto, cobrando apenas o custo das agulhas. Para sua surpresa, muitos confiaram no seu talento.
A procura pelo seu trabalho cresceu rapidamente, levando-a a transformar o sótão de casa num estúdio improvisado. “Percebi que as pessoas realmente gostavam daquilo que eu fazia e que eu precisava de um espaço maior“, explica. Assim, abriu um estúdio na Avenida Dom Carlos I, em Lisboa, onde trabalhou por cerca de nove meses.
Elisa foi então convidada por Zé Filipe, curador e empreendedor, para integrar o projeto 8 Marvila, um espaço artístico multifuncional. “Vim cá ver, olhei para as salas e disse: ‘É exatamente isto que eu quero’“, conta emocionada. Em outubro, após três semanas de trabalho intenso, abriu as portas do seu novo estúdio, que também funciona como galeria de arte.
No seu trabalho, combina elementos artísticos com significados profundos. “O meu estilo de tatuagem deriva do meu estilo de arte. Sempre fui muito de palavras, de elementos como olhos, corações, chuva e lágrimas, que simbolizam intuição e introspeção“, diz. Além disso, desenvolveu um lettering único, que se tornou a sua imagem de marca: “É engraçado ver que as pessoas vêm até mim porque amam o meu lettering“, observa.
Para Elisa, a tatuagem vai além do estético. “Eu abro-me muito nas minhas tatuagens. Todo o meu trabalho vem das minhas sessões de terapia e das minhas reflexões pessoais“, afirma. Este processo de abertura pessoal cria uma conexão profunda com os clientes. “Nós achamos que somos muito individuais, mas na verdade passamos pelas mesmas coisas. É mágico perceber que uma experiência minha pode ser tão importante para outra pessoa a ponto de quererem tatuar isso no corpo e levar para o resto da vida“, reflete.
Acredita que as suas próprias vivências, enriquecidas pelas viagens e pelos contactos com diferentes culturas, influenciam diretamente o seu trabalho. “O facto de eu ter transitado por vários mundos, viajado bastante, vivido noutros lugares, e conhecido pessoas diferentes é muito importante para mim. Acaba por transformar a minha experiência, que depois é directamente colocada no papel, no tatuar, na ilustração digital “, explica. “Tenho clientes de todo o mundo, e é engraçado perceber como, cultura por cultura, diferente ou não, nós somos muito parecidos“, observa Elisa.
Elisa utiliza as suas tatuagens como um palco para declarações políticas e sociais. “Tenho uma frase que já foi tatuada muitas vezes: ‘este corpo é político.’ É quase um statement. Tudo é político. O meu corpo é político também. Ou ‘o meu corpo é poético,’” afirma. Estas frases são especialmente significativas para muitas mulheres que têm passado por situações de assédio ou que enfrentam desafios nas suas vidas diárias. “Este corpo, muitas vezes vítima de assédio, de relações várias, é simbólico, é uma arma de política, identidade e tudo mais.”
A arte de tatuar de Elisa transcende a mera estética, transformando-se num meio poderoso de expressão cultural e política.
A ligação entre Elisa e os seus clientes é um dos elementos que mais valoriza no seu trabalho. “Gosto muito de conhecer a pessoa por detrás daquele corpo. No fim das contas, acaba sempre por surgir conversas muito giras“, diz. Este relacionamento pessoal é uma parte crucial da sua abordagem, criando um ambiente de confiança e partilha que torna a experiência de tatuagem única e significativa. Valoriza a criação de um safe space para os seus clientes, um ambiente onde se sintam confortáveis e valorizados. “Muitas pessoas dizem-me que o meu estúdio é um safe space. Esta ligação pessoal faz toda a diferença“, reflete. Este cuidado cria uma experiência de tatuagem que é tanto uma terapia quanto uma arte, onde os clientes não apenas saem com uma nova tatuagem, mas também com uma sensação de conexão.
“Voltando aos primórdios da tatuagem, como ela surge e tudo mais, é sim uma forma de expressão, é sim uma arte“, afirma a tatuadora. Para ela, a tatuagem é uma extensão da sua arte, uma maneira de expressar a sua visão de mundo e a sua criatividade. “É quase como um dos braços daquilo que eu expresso enquanto arte“, acrescenta. “É a maneira como tu vives, é a maneira como tu te vestes, é a maneira como tu vês o mundo e te expressas“, destaca.
“Eu nunca quero ser vista como tatuadora, eu quero ser vista como artista que depois tem vários braços“. Para Elisa, a tatuagem é apenas uma das muitas formas de expressão artística que ela domina. “Eu sou uma pessoa que faz roupa, que pinta telas, e que faz tatuagens“, explica. É essa multiplicidade de habilidades e formas de expressão que definem a sua identidade enquanto artista.
Fonte da imagem de capa: Pinterest
Artigo revisto por: Beatriz Santos
AUTORIA
Foi na natação que descobri o meu amor pelo desporto. O meu interesse pelo mundo desportivo foi evoluindo quando comecei a fotografar competições de taekwondo e de badminton. Atualmente estou no segundo ano da licenciatura de jornalismo e um dos meus sonhos é no futuro, trabalhar em algo relacionado com desporto, seja através da escrita ou da lente de uma máquina fotográfica. Vejo na Magazine uma oportunidade para estar mais ligada ao desporto.