Tutorial – Como pagar uma dívida
Os recentes acontecimentos gregos têm levado a um discurso hegemónico da direita, que eu tentei sumarizar nos parágrafos seguintes, evitando ao máximo cair numa falácia do espantalho:
“Se a Grécia não obedecer às condições impostas, então a Troika limitar-se-á a dizer o seguinte:
– OK, Grécia, estão por conta própria! Como qualquer outra nação do mundo, procurem financiamento no mercado aberto.
Nesse momento, o país será então confrontado com duas escolhas:
1- Fazer empréstimos ao valor atual de Mercado, 11,4%, o que iria acelerar o processo grego de bancarrota: quanto mais tempo levar o repagamento, maiores serão os valores dos juros – 20%, 30%, 50%, até se tornar impossível pedir empréstimos a que taxa seja.
2- O governo apercebe-se preventivamente de que o valor das taxas de juros é demasiado elevado e pára de imediato todo e qualquer empréstimo. A consequência: a mãe de todos os programas de austeridade. Sem fundos e sem dinheiro na “conta” nada vai ser pago, todos os funcionários públicos serão imediatamente despedidos, os pensionistas eventualmente morrerão à fome, etc..
Dadas estas duas opções (uma bancarrota progressiva com taxas de juro galopantes ou a paragem de todo e qualquer empréstimo levando ao início do maior e mais severo programa de austeridade na história humana) o que recomendariam?
A única solução é o financiamento da Troika.”
Dado isto, o objetivo desta crónica será uma tentativa de tentar contrapor estes pontos.
A Alemanha levou 92 anos pra pagar a dívida que contraiu resultante da Primeira Guerra Mundial. 92 anos para pagar os danos físicos e morais. 92 anos para pagar todas as mortes. Pensem na disparidade atual. Na cronologia da questão. O tempo que foi dado à Alemanha para pagar a dívida da 1º Guerra Mundial versus o tempo exigido por esta, mais os credores, para o pagamento desta dívida, infinitamente mais pequena do que a alemã. O meu chapéu de folha de alumínio diz-me que isto tresanda a vendetta.
Esqueçamos equiparações históricas e foquemo-nos no cerne da questão.
Dadas estas duas escolhas, a minha opção é a número três. Aquela que foi omitida. Aquela que demonstra que o discurso da direita é uma falsa dicotomia.
Trata-se da reestruturação e da renegociação da dívida, da aplicação do debt mediation, etc… Trata-se do oposto da austeridade: a potenciação do poder de compra populacional. Estas coisas funcionam. A austeridade não. Nunca funcionou; nem agora, nem no passado. No máximo, esta consegue parar o sangramento económico, mas não tem a capacidade de cicatrizar a ferida, digamos. Não podemos esperar uma ressurreição económica, depois do reembolso da dívida contraída, quando a população tem um poder de compra absolutamente residual. Cortar pensões e salários e privatizar empresas desbaratadamente leva a economia a uma estagnação pantanosa, o que acabará por levar a uma maior necessidade de financiamento, logo contração de dívida, mais empréstimos, etc … É um efeito bola de neve vampírico, uma dívida de sangue se quisermos dizer. Se se continua a sugar o sustento do povo o problema não tem solução.
A opção três, como dito, envolve renegociação. Engloba também, no entanto, o fortalecimento das massas através da criação de emprego, aumento de salários e de pensões e de outros benefícios sociais. Vejamos: se a população é capaz de consumir mais, o estado recebe um retorno imediato em impostos. Instantaneamente com o IVA e progressivamente com taxas de luxo, de energia e dezenas de afins. Sim, a dívida vai aumentar no presente imediato, mas o excedente num futuro próximo e previsível, será mais do que suficiente. Mais poder de compra leva a mais consumo, leva a mais dinheiro dos impostos e este é o óleo que põe o motor económico a ronronar.
O leitor, como qualquer pessoa sensível, deve estar a questionar-se sobre onde é que esse dinheiro, para o aumento dos benefícios sociais, se vai buscar. É simples: ao mesmo sítio onde o estamos a buscar agora. Renegociar e reestruturar é isso mesmo: debater o uso das tranches, dos empréstimos, do tempo de pagamento, etc…
Desafio o leitor a procurar um exemplo em que a austeridade tenha funcionado como solução singular para um problema económico.
Olhemos para Suécia no início da década de 90. Temos de tomar como modelo o método usado pelos nórdicos para a resolução da sua crise económica grave em 91 e 92. Paul Krugman (Vencedor do Prémio Nobel de Economia, em 2008) é desta mesmíssima opinião: ele propõe que a experiência sueca sirva de molde para a resolução da crise económica europeia que começou em 2008. A sua posição e o problema sueco são explanados em dezenas de artigos de opinião, escritos maioritariamente para o NY Times. Deixo-vos este.
Finalmente, a opção três envolve também uma distribuição justa do peso do pagamento da dívida. A aplicação da premissa envolve um violento combate à evasão fiscal das grandes corporações e o fim da injeção de capital em bancos corruptos e cadavéricos. A economia em trickle down não funciona e uma boa fatia do problema Grego é o mesmo que em todos os outros lugares: pagamento desigual e desproporcionado. Os grandes banqueiros, os grandes empresários, os grandes investidores, os grandes Ricciardis e Salgados, e os grandes mercados temem a reestruturação porque isso implicaria que eles pagassem o seu quinhão justo. Nós, o povo, temos de suportar o peso da corrupção e temos de pagar pelo pecador, já que, para o estado, o salvamento destes bancos é de uma importância “vital”.
Curiosamente, um site de notícias alemão publicou, há já 2 anos, uma notícia interessante sobre a crise na Grécia e sobre como a evasão fiscal, e os dinheiros “debaixo da mesa” estavam a custar ao país um valor que corresponde, aproximadamente, a 10% do PIB.
Recomendava a leitura a todos nós, estudantes e, talvez até, a alguns profissionais da área da comunicação que tendem para as induções falaciosas e discriminatórias.
AUTORIA
João Carrilho é a antítese de uma pessoa sã. Lunático, mas apaixonado, o jovem estudante de Jornalismo nasceu em 1991. Irreverente, frontal e pretensioso, é um consumidor voraz de cultura e um amante de quase todas as áreas do conhecimento humano. A paixão pela escrita levou-o ao estudo do Jornalismo, mas é na área da Sociologia que quer continuar os estudos.