Entrevista a Capão: “No momento em que escrevo um som tento sempre ir buscar um lado mais pessoal”
O rapaz que ambicionava ser ciclista trocou as voltas todas e acabou por seguir caminho na indústria musical. Capão tem 18 anos, é da Comenda, uma pequena aldeia no Alentejo, e desde 2023 que demonstra o seu talento na música, levando já na sua discografia um EP e 7 singles.
Uma semana após o lançamento do seu último single e antes do seu concerto no Tokyo Bar, em Lisboa, estive à conversa com ele sobre o seu percurso na música até ao momento.
Henrique Ferreira (HF): “(…) querem a primeira linha para eu dar uma entrevista”, é verdade. Foi numa noite a rimar entre amigos que este bichinho da música surgiu. Ainda te lembras de alguma barra dessa noite?
Capão (C): Não faço mesmo ideia. Entretanto, depois disso, comecei a escrever algumas músicas, mesmo sem gravar nenhuma; ou seja, pegava em beats da net, escrevia, mas não gravava nada. Sendo honesto, já nem dessas músicas me lembro, está mesmo esquecido.
HF: Já contas com um EP, 7 singles e um concerto. Dia 4 de agosto jogaste em casa, fala-me deste dia…
C: Se há uma palavra para descrever esse dia, é “especial”. Foi uma honra ter feito o meu primeiro concerto aqui no Beatfest, vai ficar nos livros de História. Ter sido ainda por cima em “casa”, na Comenda, o sítio onde nasci e cresci, fez com que nada pudesse ter sido mais especial do que isso, e, como amante de hip-hop também, tinha a ambição de lá cantar um dia. No público estavam os meus amigos, as pessoas com quem eu cresci e que estão comigo desde essas batalhas de rimas, a minha família e, portanto, por mais que uma pessoa ambicione – e eu ambiciono muito em cantar em grandes palcos e em grandes festivais – acho que nada vai ser mais especial do que ter estado ali. Foi incrível.
HF: Qual é a sensação de partilhar o palco na mesma noite com o Dillaz e o Mizzy Miles?
C: Tive a sorte de ter ficado no alinhamento com artistas incríveis e que acompanho bastante, o que tornou também aquela noite mais especial. Ter aberto o palco a artistas que consumo muito, que por vezes digo a amigos “um dia gostava de conhecer esta pessoa” e que ainda no fim tive a oportunidade de trocar umas palavras com cada um deles, foi incrível. Visto de todas estas perspetivas, não podia ter sido melhor o meu primeiro concerto, não trocava por nada.
HF: A tua obsessão por música é notável e é graças a ela que a tua carreira tem vindo a dar frutos. Contudo, há uma obsessão tua que uma pessoa, que te é muito próxima, não compreende e tem uma questão à qual precisa de uma resposta. Porque é que gostas tanto do corte “desvanecido” [risos]?
C: Não é bem uma obsessão [risos], acho que me assenta. O nome “desvanecido” veio de uma brincadeira entre mim e ele (,o barbeiro), então sempre que vou cortar digo “vamos desvanecer” [risos].
HF: Voltando à música, Corre&Saca é o teu mais recente single, lançado no passado dia 6 de dezembro. Uma faixa muito agitada onde no refrão confessas estar preso e onde se vai construindo uma narrativa em volta de uma tribo que dá o próprio nome ao som. Dito por alto parece uma confusão de ideias, mas a verdade é que delas resultou um som bastante interessante e fortemente estruturado. Como é que surge este som?
C: Surgiu um pouco como todos os outros, pegar num beat que sinta e começar a escrever ideias. Esse som em específico foi uma confusão de ideias que surgiram muito espontaneamente e que acabaram por casar muito bem. Uma delas foi a dos Corre & Saca, um grupo que fazia assaltos, e a partir dela comecei a imaginar tudo o resto. Inclusive, o conceito do videoclip é em volta disso. No momento em que escrevo um som, além das ideias principais que mando para o papel, tento sempre ir buscar um lado mais pessoal que maior parte das vezes não tende a surgir logo.
Quando digo “dei umas voltas ao quarto e estou nos braços do Kraken”, de um ponto de vista específico pessoal sei bem o que quero dizer, são ideias que surgem de algo profundo dentro de mim e que acabam por ser reflexão daquilo que sinto, e acho muito giro e invulgar levar estes temas para ritmos mais acelerados. Há coisas que sinto dificuldade em transmitir se estiver a conversar com outra pessoa ou se até estiver a pensar só comigo, o que não acontece quando estou a escrever para fazer música, e, portanto, faz com que sinta algo especial na minha escrita. Com ela chego a ideias e temas a que num registo normal sei que não chegaria.
HF: É com este tema que assinalas o teu primeiro videoclip, com direção do NAZ. Como foi esta entrada no audiovisual e como surgiu esta junção?
C: Para o meu primeiro show precisava de um fotógrafo, e então pus-me a pesquisar. Estava a ver umas fotos da pikika, uma artista que admiro bastante, e vi uma foto que me chamou bastante a atenção, que foi tirada pelo NAZ. Fui ver o Instagram dele e achei muito boa a sua cena, muito diferenciada de todos, e depois mandei-lhe mensagem para me fotografar no Beatfest. Depois do concerto continuei a falar com ele, disse-lhe que tinha interesse em fazer um videoclip e surgiu assim. Quanto ao videoclip, foi uma grande oportunidade que apareceu e acho que já fazia falta na minha carreira. Eu andava a investir bastante nas músicas na parte do áudio; quis sempre apostar nisso desde o início e tenho procurado os melhores produtores para me ajudarem nesse trabalho e, portanto, quando vi uma oportunidade que me permitia fazer um videoclip, avancei. Sempre gostei de criar estas histórias em volta das músicas. Todo o processo de criação do clip foi muito bom, muito divertido, e, depois de ver o resultado final, fiquei muito feliz e com vontade de fazer mais. A partir de agora, menos qualidade do que isto não esperam da minha parte.
HF: Queria abordar o EP Dupla Personalidade. Tanto o tema Recaída como o tema Calor do Momento são faixas com as quais sinto uma relação mais pessoal e vejo, como ouvinte, uma coragem ao levares esse lado para a música. Podes dizer que isso acontece? Se sim, de que maneira é que te ajudou, seja a nível pessoal seja a nível artístico?
C: Sim, completamente. O “eu” artístico e o Rafael são duas pessoas diferentes, mas que seguem as mesmas bases e os mesmos princípios. Ainda assim, eu como pessoa, Rafael, tenho uma caminhada que se construiu a aprender com os erros e que criou uma maturidade e o “eu” artístico tem outra. Enquanto artista, à medida que fui fazendo músicas, fui também ganhando mais maturidade e confesso que ainda me estou a descobrir. A música foi a minha primeira abordagem para soltar o que tinha no meu coração. O EP transmite essa ideia mais pessoal e foi também através de uma vontade de querer tentar compreender o que o Rafael pensava e sentia, para depois o Capão interpretar e passar isso às pessoas, talvez de uma forma não tão nítida, onde sei que há barras que talvez só eu compreenda e outras onde é tudo mais explícito, e querer crescer como artista, parando para pensar e olhando mais para mim e não só inventar letras. Acredito que daqui para frente vou demonstrar mais maturidade nas minhas músicas.
HF: “Isso era quando eu era um sopro, agora já sou um tornado”. São 8 meses que separam a Sopro da Mikado. Neste período, para ti, o que mudou?
C: Damn! [risos] Sempre depositei muito trabalho na música e, portanto, considero-me um artista que consegue facilmente evoluir em pouco tempo. Na minha caminhada enquanto artista houve etapas onde escrevia uma música numa quarta-feira e na sexta-feira da mesma semana escrevia outra e já não tinha nada a ver, sentia uma grande melhoria. Isto foi acontecendo constantemente e causou uma confusão na minha cabeça de querer lançar músicas e achar que as outras já não estavam no mesmo nível, sabendo que nos dias de hoje sou muito mais que um “tornado”, e que cada som que lanço é melhor que o anterior. Essa dica parte deste sentimento.
HF: Quais são as tuas maiores influências na indústria musical?
C: É uma pergunta meio complicada. Nunca procurei influência num artista apenas, mas em algo que vários artistas fizessem, e depois fui tentando juntar e chegar a algo que agradava ao meu ouvido. Sempre me fascinei por fast flows, então quando via um artista fazê-lo impressionava-me. Por mais que tenha artistas que adoro ouvir, nunca me agarrei ao estilo deles, mas sim a uma certa forma de rimar. Adoro o Don Toliver, o T-rex, que talvez já veja como influência, mas pela maneira como ele transita de barra para barra e como soa tão clean, o Teto é o meu artista favorito e, apesar da música dele não se refletir na minha, foi por causa dele que comecei a fazer música e a gostar de trap, daí ele ser muito especial para mim. Também gosto muito do SleepyThePrince; conheci o trabalho dele no final do ano passado e acho muito único o que ele faz em cima de uma batida, e adoro como as palavras aterram no beat.
Aproveito para dizer que é um grande orgulho rimar em português porque as nossas palavras têm uma “ganda molho” para rimar, acho que casa muito bem com rap, e se juntares ao inglês também acho lindo. Antes de começar a fazer música, ouvia muito os Wet Bed Gang devido aos flows marados deles e à aderência que as palavras tinham no beat. São estas coisas que me fazem gostar mesmo de um artista.
HF: A esses nomes juntas o Pogačar, o van der Poel e o João Almeida?
C: [Risos] Junto, junto. Junto sim senhora. Pegando nesses três, sem tirar nem por, são outros ídolos meus. Além deste lado musical sempre fui muito fã de ciclismo e quando era mais novo o que ambicionava ser era ciclista. Considero-os mesmo ídolos.
HF: Ainda passas horas no Pro Cycling Manager ou agora é mais no FL Studio? [Risos]
C: [Risos] Agora passo mais horas no FL Studio, claro, mas também gosto de passar horas no Pro Cycling Manager, faz-me bem ao espírito.
HF: Em abril deste ano lançaste duas malhas que tu confessas que se interligam: a Bruxo e a Blackjack, sendo que até na segunda faixa dás um call à Bruxo. Qual é o conceito por detrás delas?
C: Na altura criei um conceito que está por detrás de ambas as músicas, mas, sendo honesto, atualmente sinto que esse conceito já não faz sentido. Acho que se deve à tal mudança constante de que falei há bocado de crescer como artista, onde na altura em que lancei os dois sons achava que conseguia criar um conceito à volta deles e agora olho e já não acho que eles se interliguem. Quando fiz o photoshoot para esses singles quis usar a mesma estética e o mesmo outfit para interligar os dois, mas musicalmente falando já não os sinto juntos. Agora gosto de olhar para eles como uma fase e saber que cresci e que já sei o que faz sentido ou não.
HF: Até ao momento não tens nenhuma colaboração com um artista. Ainda não surgiu oportunidade?
C: Não por falta de oportunidades, pois já surgiram umas e estiveram para acontecer, mas não avançaram. Acho que sou uma pessoa com poucos contactos, não sei se por ser do interior de Portugal ou por não ser tão sociável [risos], mas sinto que é algo que também faz com que não aconteça. Neste momento tenho umas coisas em cima da mesa e, portanto, é aguardar.
HF: Dia 19 de dezembro, e, fechado assim o ano de 2024, há encontro marcado no Tokyo Bar, em Lisboa. O que podemos esperar desta noite?
C: Podem esperar uma noite de entretenimento e música boa [risos]. Quero levar para o Tokyo Bar um concerto mais virado para o lançamento de Corre&Saca, não saindo de um concerto dito “normal”, apesar de não vir a realizar nesta noite o formato de concerto que ambiciono trazer para o palco daqui para a frente.
HF: Em janeiro de 2025 faz dois anos desde o início da tua carreira musical. Tens planos para o futuro?
C: Quero aprender mais e evoluir. Estou neste momento a tirar um curso de produção musical, pois sinto que me faz muita falta esse lado de producer, e é nisso que estou a investir agora. Os frutos que vieram desta aprendizagem irão ditar a estrada daqui para a frente.
O single Corre&Saca, tal como o resto do trabalho do Capão, está disponível para ouvir em todas as plataformas digitais.
Fonte da Capa: Fonte: Instagram @capaox
Artigo revisto por: Miguel Costa
AUTORIA
O Henrique tem 19 anos, é de Lisboa e está agora no seu primeiro ano de licenciatura no curso de Audiovisual e Multimédia. A sua cabeça passa a maioria do tempo no mundo das artes, sendo um apaixonado pela pintura, a música, o cinema e a moda. Com a ESCS Magazine espera partilhar aquilo que mais gosta, informando o público, e sobretudo despertando nele o interesse por estas áreas.