Opinião

Engolir em seco

Como jovem adulto sinto-me pressionado pelos meus contemporâneos para votar no Bloco de Esquerda. Não é acaso este tratar-se do partido com a base de apoio mais verde – as novas gerações são cada vez menos conservadoras, fruto óbvio da globalização e da literacia tecnológica. Como filho dos 90, eu não nego que as ideologias do BE me atraem, tanto em termos sociais, como até económicos. Tenho, portanto, todas as condições reunidas à cabeça para ser um bloquista. Não obstante, o meu voto não vai ser nos Mortáguas & Co. Há entre nós uma incompatibilidade fraturante de personalidades – o Bloco é estático, incapaz de qualquer cedência. O consenso com os socialistas só aconteceria se o PS se divorciasse da totalidade do seu programa eleitoral. Consenso… Apercebi-me há algum tempo de que esse gracioso termo é um triste embuste usado exclusivamente para iludir o eleitorado. Todos o pedem, mas no fundo ninguém o quer – Cavaco pede consenso entre os partidos, Passos pede consenso com o PS, e Costa faz ioiô com a “oferta” do líder dos sociais-democratas. Mas é, acima disto tudo, estática televisiva quando é utilizada por “candidatos profissionais”, nomeadamente o BE e a CDU. No fim de contas, ambos resumem-se hoje a meros partidos de protesto, que concorrem com retórica de rua ao cargo de oposição. Se algum dos dois chegasse ao poder ficariam tão aflitos que não fariam a mais pequena ideia do que fazer com aquela batata-quente. Há anos que ambos tentam enfiar o PS no mesmo saco que o PSD e o CDS, para que Deus impeça que um dia haja a mais microscópica maleabilidade de ambos.

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Os partidos mais à esquerda são, nas atuais condições europeias, incapazes de governar. Governar seria, para os comunistas e para os bloquistas, o pior pesadelo à face da terra. O caso de o PCP recusar uma aliança com o Partido Socialista é, até certo ponto, algo compreensível já que “os burros velhos não aprendem línguas” (para nem falar na mostarda que estes ainda têm ao PS de Mário Soares). O Bloco, por outro lado, é uma desilusão. O problema é óbvio: no segundo em que assinarem um PEC4 ou outro qualquer tratado, ou projeto-lei, ligeiramente desviado da sua ideologia-mãe, todo o eleitorado de protesto fugiria chateado com a tentativa de mudança. Nem para evitar a ascensão da direita o braço se dá a torcer. Os grandes é que têm de se dobrar aos pequenos, aparentemente. Deve ser cansativo ser-se sempre do contra.

Não consegui conter o gargalhar quando, no debate Costa-Martins, a líder do BE reiterou que não haveria acordo com os socialistas, enquanto estes mantiverem as suas “medidas pró-austeridade”. Ponderei para mim mesmo que este Bloco era o mesmo partido que deixou elementos importantes, estilo Ana Drago, Daniel Oliveira e Rui Tavares, sair a conta-gotas por causa da tacanhice e da teimosia ideológica.

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O programa do BE assenta na sua totalidade numa única proposta que está absolutamente fora das suas mãos: a reestruturação da dívida. Isso é a infeliz definição de dicionário de “irresponsabilidade”. Por mais que eu quisesse a reestruturação e a renegociação da dívida (que quero, não me interpretem mal), não podemos jogar com peças de esquerda num tabuleiro europeu de direita. O PS é o partido mais à esquerda europeiamente viável. O Bloco e o PCP sofreriam o mesmo destino que o Syriza: uma nobre batalha seguida de uma rendição absoluta. Catarina Martins afirma que o Bloco quer fazer o que o Syriza não conseguiu. Há só um problema: hoje, o maior adversário do Syriza, na Grécia, é o Syriza.

A direita foi duas ou mais vezes para além do tratado orçamental por questões de pura ideologia e de vassalagem ao Euro, atacando carnivoramente o que eles consideram serem as gorduras da sociedade. É com profunda mágoa que vejo, mais uma vez, a esquerda fraturada a abrir caminho para os “ultraliberais”.

No fim de contas, em quem voto? Jamais votarei direita, e, infelizmente, dar força aos partidos pequenos é, nestas legislativas, entregar o trono de bandeja ao Coelho. Tenho respeito pelo PS, pelo papel crucial que teve na criação e implantação da democracia em Portugal, mas cada vez mais me desiludo com a aproximação dos socialistas ao centro direita, tal partido democrata nos Estados Unidos da América. Mas não tenho escolha. Tenho de apoiar o PS, mesmo que tenha de engolir um sapo. O Costa é um péssimo político e a campanha socialista foi desastrosa, constantemente assombrada pelo fantasma Sócrates. No entanto, o líder socialista deu já múltiplas vezes provas da sua competência enquanto governante, especialmente no que toca à Câmara de Lisboa. Por algum motivo foi reeleito 2 vezes nas municipais, cada uma com maior percentagem de votos do que na anterior. Se isso não é a definição de satisfação popular, não sei o que é.

Façam como disse o amigo Cunhal – quando forem votar, tapem a cara com a mão esquerda e votem com a mão direita.

(Artigo escrito ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico)

AUTORIA

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João Carrilho é a antítese de uma pessoa sã. Lunático, mas apaixonado, o jovem estudante de Jornalismo nasceu em 1991. Irreverente, frontal e pretensioso, é um consumidor voraz de cultura e um amante de quase todas as áreas do conhecimento humano. A paixão pela escrita levou-o ao estudo do Jornalismo, mas é na área da Sociologia que quer continuar os estudos.