Editorias, Opinião

O Anarquista Que Queria ser Rei

Nisto não há vencedores ou vencidos. Há fações ideológicas com mais representantes e outras com menos. Um governo saudável, um parlamento saudável, não tem maiorias de nada: tem uma ampla representatividade daquelas que foram as escolhas do país. Ninguém ganha legislativas, ninguém perde legislativas.

Um governo minoritário (do centro) seria a melhor coisa que podia acontecer a este país. Um executivo com pouca representação partidária, sem aficionados, sem perversidades fanáticas e bimacrocefalias exageradas, vigiado por duas grandes oposições – uma à esquerda e outra à direita –, terá as melhores condições para governar com isenção.

Porém, vejam só, este país longe está de uma utopia. E por dela tão longe estar, assistiríamos, como nos relata o bom Eça de Queiroz em muitas das suas Farpas, a ininterruptos bloqueios, insultos e duelos de cavalheiros formados em condições dúbias.

É mais do que certo – e toda a gente que lê estas minhas coisas já o sabe – que eu, para sentar-me no Parlamento, teria a autoridade competente de deitar abaixo a parede ao lado da bancada de imprensa e, mesmo assim, não sei se o extremismo não ficaria ainda demasiado contido. Por isso, já o estimado leitor o adivinha, o meu sentido de voto foi para a esquerda: cheguei à cabine de voto, peguei no papelinho, dobrei-o como um avião da Força Aérea e atirei-o para a cabine do lado (à minha esquerda), indo a caranguejola despenhar-se na permanente da Dona Idalina, que gritava alto para uma sua amiga do clube da viuvez: «ó Teresa, qual é aquele que vive em Massamá?».

Efetivamente, dizem todos os venerandos jornalistas da corte, quem ganhou foi a coligação PSD/CDS (a PF) – para grande espanto da CNN, que imagina Portugal como uma série de dez milhões e meio de jovens inseguras sodomizadas por um senhor cinzento, num spin off foleiro das 50 Sombras, e que, de facto, gostam e pedem por mais. Somos, provavelmente, o país mais kinky da Europa (qual Holanda…).

Mas eis, meus senhores, que o principado de Pedro chega ao fim. A cabeça da sua Maria Antonieta (semi-degolada irrevogavelmente em 2013, mas desde então salva com adesivos e flores) deve finalmente ter rolado uma vez que não se o ouve seu piar rachado. O arauto do fim do regime foi Catarina Martins, a porta-voz do Bloco de Esquerda e das boas notícias que, depois de uma reunião com António Costa, profetizou o destino do príncipe sem trono.

E agora? Agora… Agora ninguém sabe muito bem. O nosso mais alto bibelot está calado há algum tempo, delegando no Pedro a tarefa de formar um governo (porque o Pedro conseguiu mais amiguinhos no recreio). Mas o que todos estavam a ignorar era o facto de cerca de 70% das pessoas terem votado contra o Pedro e o Paulo! E 70% das pessoas são muitas pessoas (assim para terem ideia, são mais de dez!). E muitas pessoas a dizer que o Pedro e o Paulo não devem estar à frente dos destinos do país significa que o Pedro e o Paulo não devem estar à frente dos destinos do país. «Nem o António», dirão já alguns nossos amigos. Pois claro que não, mas desde sempre foi esse o regime que defendi! Logo, essa coisa do «ah e tal nenhum deles tem legitimidade» só prova que o mais legítimo chefe de estado para governar Portugal neste momento é… Sim!: Eu!

Comecei há pouco (agora mesmo) o contacto com outros louvados cidadãos que se disponibilizam – com enorme prejuízo pessoal – a formar um governo representativo a 100%. Quer este meu modelo dizer que, logo que o senhor bibelot me dê posse, abolirei de imediato o seu cargo, a Constituição, os ministérios, as autarquias, as juntas de freguesia e todos os outros órgãos de governo e regulação civil. Daí em diante, cada cidadão – cada cidadão – será responsável por si mesmo.

E depois veremos o país crescendo e prosperando. Pois há anos que, para governos destes, mais vale não ter quaisquer governos. Este meu modelo, de representação total, coloca a responsabilidade no cidadão, recaindo sobre cada um o poder, o dever, a responsabilidade e a liberdade (o livre arbítrio). Nenhum destes é limitado naturalmente.

Assim proponho – e peço desde já o vosso apoio e o da comunicação social – que me levem em ombros num cerimonial «pouco ortodoxo» para os palanques e me façam rei. Façam-me rei para que no seguinte dia sejam vós todos reis de vocês mesmos. Nunca ninguém morreu por ser anarquista.

O Pedro escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990.