Este número não foi visado pela Comissão de Censura
A censura pouco tem a ver com este artigo. Porém, a sua presença assombra ainda o panorama da comunicação em Portugal. No Auditório Vítor Macieira, as armas foram entregues a um novo exército: os futuros jornalistas do país.
Antes de o lerem, este artigo, escrito no silêncio da biblioteca da Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), só com ventiladores, alguns fungares de nariz, bater de teclas e um murmurar entre livros, passou pelo crivo de um corrector. Uma pessoa perspicaz, que pega nos artigos todos que chegam à ESCS MAGAZINE diariamente e se dedica a uma aborrecida caça ao tesouro – só que os tesouros são sujeitos divorciados de predicados, verbos fora de tempo, e regências sumidas. E é só. Depois disso, todo o trabalho dos redactores é publicado tal como o pensaram.
Só com o 25 de Abril de 1974, vinte anos antes de os primeiros alunos pisarem as escadas do infinito, é que o processo de publicação se tornou assim. Nos 48 anos anteriores, a censura ditou, com maior ou menor competência, aquilo que deviam, ou não, os portugueses ler. Mais do que afetar as discussões nos cafés, o “Exame Prévio” alterou profundamente a mentalidade dos portugueses.
É isso que defende Rafael Antunes, o realizador do filme e documentário “Lápis Azul”, inseridos no projeto transmedia homónimo, que foi apresentado, no passado dia 23 de novembro, pelas responsáveis da cadeira Narrativas e Guião para Jornalismo, da licenciatura em Jornalismo. O objetivo, diz Joana Pontes, cineasta e docente da unidade curricular, é que os alunos percebam «em primeira mão – tal como os autores entrevistam os protagonistas dos acontecimentos em primeira mão – como é que as coisas se fazem. Como é que se põem as mãos na massa. Como é que se constrói um projeto destes.»
Rafael Antunes, o autor, concorda. Acredita que, ao apresentar o seu projecto, não só está a «provar que estes tipos de trabalhos são possíveis», mas também a dar aos alunos «uma parte da experiência», já que, ao apresentar os seus erros e dificuldades, previne os futuros autores, defende.
Mas não se pense que isto são só conversas bonitas. A verdadeira chave para ultrapassar as dificuldades da falta de notoriedade é simplesmente «chatear todas as portas». É Rafael quem o diz: «eu tive de chatear muita gente, mas nunca desisti».
O melhor exemplo de que a persistência de Rafael Antunes teve frutos pode ser mesmo a sua presença na ESCS. «O documentário está feito de modo a interessar bastante, é muito vivo», coisa que se notou na participação dos alunos. A reacção é, por isso, «muito positiva», acrescenta Joana Pontes.
O documentário faz o retrato da censura desde a ditadura militar até à queda do regime marcelista, em Abril de 74. Todavia, desde então, todos aqueles anos de medo e desconfiança ainda fazem ondas na mentalidade nacional. «Há liberdade mas é preciso estar atento», diz Rafael. «Pode haver muitos tipos de censura encapotada».
A cineasta Joana Pontes pensa no mesmo sentido: «há muitas tentativas de coagir quem escreve e quem dirige para impedir ou modificar certas notícias e certos assuntos.»
Mas, então, que ferramentas pode um jovem aspirante a jornalista usar para impedir a auto-censura, fruto de anos de inculcação ideológica social? Rafael Antunes diz que é preciso ter uma «consciência de liberdade, saber que se é livre.» A professora Joana Pontes recomenda sensatez: «é preciso tratar das coisas de uma maneira credível e de forma digna.», até porque, «muitos trabalhos são mais sensacionalistas que verdadeiramente fundamentados». Isto só prejudica a imagem dos jornalistas e do jornalismo, levando à desconfiança. Porém, acrescenta, o fundamental é «resistir sempre contra isso».