Opinião

A 4 Mãos: Barrigas alugam-se

 

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Maria Moreira Rato (MMR): Esta semana, as barrigas de aluguer estão a dar que falar. Aquele que é conhecido por ser um acordo entre uma mulher que aceita engravidar para dar à luz um bebé que pode ou não ser seu filho biológico, mas que não será criado por si, ainda não tinha visto a luz do dia em Portugal… até à passada terça-feira. O que aconteceu foi o seguinte: a Ordem dos Médicos demonstrou uma posição favorável perante o pedido de gestação de uma avó que pretende gerar o filho da sua filha, portanto, o neto (na medida em que a filha retirou o útero). Eurico Reis, presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), afirmou que a “sociedade devia era ter compaixão e solidariedade pelas mulheres que, por motivos clínicos, não podem engravidar” — e tu, Marcos, o que pensas desta situação?

 

Marcos Melo (MM): Antes de mais, e por forma a evitar equívocos, quero deixar claro que sou absolutamente favorável à gestação de substituição. Posto isto, é importante esclarecer que o parecer favorável da Ordem dos Médicos não é vinculativo. A decisão final cabe, agora, à CNPMA, que se pronunciará até ao final deste ano. Será que o veredicto irá corroborar o parecer dos profissionais de saúde? Ou será que, tendo em conta as circunstâncias deste caso inaugural, irá chumbar o pedido de gestação de substituição? Pergunta-me: a que circunstâncias te referes, Marcos? Eu respondo: apesar de, tal como referi no início deste parágrafo, ser a favor das barrigas de aluguer, há uma questão que, sinceramente, me desperta alguma estranheza: o facto de, neste caso, a gestante ser uma familiar, pelo que, inevitavelmente — caso a gravidez avance —, quer os pais quer o filho terão contacto com a mesma. No futuro, trará esta situação problemas à dinâmica familiar? É esta a minha reticência. O que te parece, Maria?

 

MMR: Também eu sou a favor da gestação de substituição, mas uma mulher que se dispõe a ser barriga de aluguer tem de entregar o ou a bebé após o parto, renunciando aos direitos e deveres da maternidade – aquilo que me causa incerteza neste caso é o facto de uma avó não ser uma mãe, mas certamente viverá de perto o crescimento da criança que gerou, tal como afirmaste e, acima de tudo, existe consanguinidade entre a gestante, a mãe e o neto ou neta que advirá deste tipo de gestação.
Acho que não tenho uma mentalidade arcaica, mas vivo um dilema ao pensar nesta situação: costuma dizer-se que quem é mãe é a pessoa que cria um bebé e não quem o concebe, então, pode aceitar-se que a mãe não será a avó porque apenas passará pela gravidez… mas por outro lado, viverá tudo aquilo que se encontra relacionado com esse período, e até que ponto não se sentirá verdadeiramente mãe?

 

MM: Estamos em sintonia, Maria. De facto, o cerne da questão reside no laço familiar que une a gestante ao bebé. Ou seja, independentemente do contrato que oficializará a gestação de substituição, no final de contas, aquela será avó deste. Embora me considere um leigo neste assunto, creio que este dilema, que discutimos nesta reflexão, suscitará dúvidas aos membros da CNPMA, aquando da decisão de dar luz verde a este primeiro pedido de barriga de aluguer português. Deveria a Lei acautelar esta situação, na medida em que ambas as partes não devessem ter qualquer relação (no limite, o casal que recorre à barriga de aluguer desconhece a identidade da gestante)?

 

MMR: A lei, eis aquilo que não podemos deixar de estudar neste artigo, na medida em que é imperativo estabelecer um paralelismo entre a lei nº 25/2016, que regula o acesso à gestação de substituição, onde podemos encontrar alíneas de artigos que visam a explicação das situações em que este tipo de gestação é autorizado, como: “A gestação de substituição só pode ser autorizada através de uma técnica de procriação medicamente assistida com recurso aos gâmetas de, pelo menos, um dos respetivos beneficiários, não podendo a gestante de substituição, em caso algum, ser a dadora de qualquer ovócito usado no concreto procedimento em que é participante” e o Decreto Regulamentar nº 6/2017, onde encontramos um parágrafo introdutório deveras… peculiar!: “Destaca-se a importância de privilegiar a ligação da mãe genética com a criança, ao longo do processo de gestação de substituição, designadamente no âmbito da celebração e da execução do próprio contrato, circunscrevendo-se a relação da gestante de substituição com a criança nascida ao mínimo indispensável, pelos potenciais riscos psicológicos e afetivos que essa relação comporta. Isto, obviamente, sem prejuízo das situações em que a gestante de substituição é uma familiar próxima, em que poderá existir, habitualmente, uma relação entre a gestante de substituição e a criança nascida”.
 Vou tentar expor sinteticamente aquilo que não me faz ver isto com clareza: quando uma mulher é barriga de aluguer da sua própria filha, a criança terá 25% do seu ADN, independentemente da gestante contribuir ou não com gâmetas para a sua conceção. Ora, se a gestante de substituição deve ser afastada da ou do bebé a que dará à luz, devido (e passo a citar) “aos potenciais riscos psicológicos e afetivos que essa relação comporta”, significa que caso a criança saiba que a avó foi a sua gestante… os riscos serão minimizados!?
 Bom, mas como se costuma dizer… “cala-te, boca”…  

 

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AUTORIA

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Diz que é o cota da ESCS MAGAZINE. Testemunhou o nascimento do projeto, foi redator na Opinião e, hoje, imagine-se, é editor dessa mesma secção. Recuando no tempo... Diz que chegou à ESCS em 2002, para se licenciar, quatro anos mais tarde, em Audiovisual e Multimédia. Diz que trabalha há nove no Gabinete de Comunicação da ESCS – também é o cota lá do sítio. Diz que também por lá deu uma perninha como professor. Pelo caminho, colecionou duas pós-graduações: uma em Comunicação Audiovisual e Multimédia (2008) e outra em Relações Públicas Estratégicas (2012). Basicamente, vive (n)a ESCS. Por isso, assume-se orgulhosamente escsiano (até ser cota).