A BD enquanto veículo de Arte
Em 2005, a revista americana Time publicou a lista dos 100 melhores romances de sempre. No meio dos obrigatórios clássicos “Crime e Castigo”, “Lolita” ou “O Deus das Moscas”, encontramos, surpreendentemente, uma novela gráfica: Watchmen. Não se trata de uma anomalia; a obra é objeto de culto e obteve reconhecimento crítico em dezenas de publicações da imprensa mainstream. A Entertainment Weekly, revista de cultura pop, premeia o livro com o 13º lugar na lista dos 50 melhores romances escritos nos últimos 25 anos. Estes galardões tentam ajudar a erradicar um dos poucos preconceitos ainda vivos no mundo da arte – a obra de Alan Moore é o pilar no qual assenta o argumento de que a banda desenhada pode ser denominada de literatura.
Mesmo os mais céticos a respeito desta categorização não podem negar o impacto que os comic-books têm na atual cultura pop, especialmente naquilo que diz respeito à 7.ª arte: The Avengers (“Os Vingadores”, em português) – um filme de super-heróis de 2012 – é atualmente a 3º obra mais rentável na história do cinema. Todos os protagonistas da peça têm génesis no mundo dos quadradinhos: Iron Man, Thor, Captain America, Hulk,Black Widow e Hawkeye pertencem ao grupo Marvel, a maior produtora atual do género. É objetivamente inegável o impacto da banda desenhada no mundo. E Portugal está muito longe de ser exceção: desde os fatos de Carnaval do Homem-Aranha, passando pelo festival anual AmadoraBD, e culminando com a 1º edição portuguesa da expo mundial Comic-con, que levou 30.000 pessoas à cidade do Porto, nós somos tão dados a esta cultura como qualquer outro país. A osmose cultural é de tal forma grande que há muito ultrapassou a fonte original: quantos de nós podem dizer que são consumidores ávidos de banda-desenhada? Muito poucos, adivinho. No entanto, temos quase geneticamente impressa a imagem tenebrosa e imponente do Batman ou o sorriso perturbador atrás da maquilhagem esborratada do Joker. É uma daquelas coisas que quase contraria a tabula rasa: quando nos perguntam “Onde é que aprendeste isso?”, simplesmente encolhemos os ombros e respondemos “Sempre soube”.
Tomemos a máscara de Guy Fawkes como exemplo. Aposto que um grande número de vocês não sabe daquilo de que falo. Mas, talvez se eu vos disser que estou a falar da máscara que o grupo de hackers Anonymous usa, ou da máscara que se vê em diversas manifestações pelo mundo fora como símbolo anti-poder, ou da máscara branca, sorridente, com um bigode à la século XVIII e com as bochechas ligeiramente encarnadas, alguns sinos começarão a tilintar.
Parece chalaça, mas não o é: o prego na tábua do “caixão” deste argumento é o facto de, no Sudeste da Turquia, na região da Anatólia, existir uma cidade com o nome Batman.
Demarcado um território, chegamos a um terreno ligeiramente mais pantanoso: o impacto da BD na cultura popular e o seu uso global para propósitos de entretenimento é inegável, mas será que podemos equiparar as suas obras às pertencentes àquilo que consideramos como a esfera clássica da literatura?
Para mim a resposta é um sim veemente.
Em V for Vendetta e em Transmetropolitan, encontramos uma distopia política ao nível das obras de Orwell. Em Maus: My Father Bleeds History, vemos uma analogia comovente entre gatos e ratos e o holocausto alemão. Em Ghost World e em Persepolis, estão contidos momentos de angústia adolescente equiparáveis aos presentes nas obras de J.D. Salinger.
Mesmo para além da arte da escrita, temos a arte visual – a da pintura, por exemplo. Sandman, de Neil Gaiman, moderniza o estilo gótico de Grant Wood; já em Arkham Asylum – A Serious House on Serious Earth, temos um nível tal de esquizofrenia e de psicose no desenho que, ao folhear as suas páginas, os nossos pêlos dos braços se arrepiam.
Podia estar aqui parágrafos infinitos a exemplificar as capacidades narrativas, a mestria na pintura e a marca distintiva das novelas gráficas, mas fiquem com o ditado alterado: um quadradinho vale mil palavras.
AUTORIA
João Carrilho é a antítese de uma pessoa sã. Lunático, mas apaixonado, o jovem estudante de Jornalismo nasceu em 1991. Irreverente, frontal e pretensioso, é um consumidor voraz de cultura e um amante de quase todas as áreas do conhecimento humano. A paixão pela escrita levou-o ao estudo do Jornalismo, mas é na área da Sociologia que quer continuar os estudos.