A cantora que se queria licenciar e tornou-se famosa
Rosalía Vila Tobella, mais conhecida pelo nome artístico Rosalía, é a cantora catalã que com apenas 25 anos já revolucionou completamente a cena musical em Espanha. Desde pequena que Rosalía já sabia que queria seguir música, participando, logo nessa altura, em concursos e estudando em algumas escolas de música. Em 2017 conseguiu lançar o seu primeiro álbum, Los Ángeles, mas foi no ano seguinte que se tornou realmente conhecida. Em 2018 lançou o álbum El Mal Querer, que foi o seu projeto final para obter o Título Superior de Flamenco na Escola Superior de Música da Catalunha e que, por acaso, lhe deu grande visibilidade através do Youtube.
A primeira música que ouvi da Rosalía foi Malamente, que é a primeira faixa do álbum El Mal Querer. No imediato, não gostei nem desgostei. No entanto, após ouvi-la mais algumas vezes, e especialmente depois de ver a performance nos MTV European Music Awards do ano passado, e entender o verdadeiro significado, fiquei maravilhada não só com a música, mas com o projeto inteiro. O álbum está dividido em 11 capítulos e, portanto, 11 faixas, todas elas referentes a fases da história que teve como inspiração para o trabalho. O álbum teve como base uma história occitana (do sul da França) do século XIII chamada Flamenca, que fala sobre um relacionamento muito tóxico e abusivo que chega até um ponto em que o marido tranca a própria mulher em casa por ciúmes. Para além disso, o álbum conceptual mistura vários estilos como o rap, o pop e principalmente o flamenco, ou seja, também várias culturas (a cigana, a árabe, a judaica e a própria espanhola).
Paralelamente à mensagem de cada canção, os videoclipes são polémicos porque retratam questões ainda bastante discutidas na sociedade hoje em dia, mas de uma forma muito inteligente e interessante visualmente. É o caso do poder exercido pelo homem em relação à mulher no século do romance, mas presente até hoje, bem como a mudança de sentimentos à medida que se vai conhecendo a outra pessoa, especialmente notável no caso do marido com os seus ciúmes. O álbum critica este tipo de comportamentos na figura da personagem principal (a mulher) porque esta pode, e deve, ser independente e feliz consigo própria e não estar somente às ordens do marido, vivendo com medo o tempo todo. Os 11 capítulos por ordem chamam-se: augurio (agoiro), boda (casamento), celos (ciúmes), disputa, lamento, clausura, liturgia, éxtasis (êxtase), concépcion (concepção), cordura (prudência) e poder. No fim do álbum, a mulher, depois de passar por todas estas fases, consegue libertar-se e sair triunfante, poderosa.
Para além de Malamente, as outras duas canções bem impactantes são: Pienso en tu mirá e Bagdad. A primeira tem um ritmo de flamenco no fundo muito cativante com sons de fundo de sapateado e até de tiros a propósito do refrão da música (“Pienso en tu mirá, tu mirá clava una bala en el pecho” traduzido para “penso no teu olhar, o teu olhar como uma bala no peito”). A par da música, o videoclipe está cheio de simbologias (o dançarino em cima das brasas, o sangue no peito dos homens, a pulseira a dizer Varon Dandy, as armas, isto é, símbolos que referentes ao machismo). A segunda canção também é notável. Bagdad leva-nos a pensar na capital do Iraque, uma cidade que foi destruída e onde as pessoas sofreram muito com as consequências da guerra, que começou em 2003. O ritmo da música é mais calmo e a cantora usou um excerto da música Cry me a river do Justin Timberlake que, por sua vez, funde-se com o videoclipe (as lágrimas de Rosalía formam uma espécie de rio).
Rosalía criou um álbum totalmente experimental, desenvolveu de forma original uma narrativa com cerca de 7 séculos e trouxe uma nova vida ao flamenco tradicional. O seu projeto final de curso tornou-a amplamente conhecida tanto em Espanha como a nível internacional. Com o grande sucesso que teve devido ao álbum El Mal Querer e com a boa receção do público, Rosalía já esgotou vários concertos. Este ano atuou pela primeira vez num dos maiores festivais de música nos Estados Unidos, o Coachella, e agora vai estrear-se em Portugal no dia 8 de junho no NOS Primavera Sound no Porto.
Artigo revisto por Vitória Monteiro