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A desigualdade na educação em Portugal

Quando falamos em educação desigual, poderíamo-nos centrar apenas nas desigualdades que, à partida, nos parecem mais óbvias: entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. No entanto, dentro do mesmo país, da mesma localidade e até da mesma sala de aula, as diferenças no acesso à educação e aproveitamento da mesma são uma realidade. 

Uma forma de ter noção do número de alunos com baixos recursos económicos em Portugal, é através do número de beneficiários do apoio da Ação Social Escolar. De acordo com dados do Ministério da Educação, eram 370 035 os alunos que usufruiam desta ajuda em 2022, o que corresponde a 37,4% dos alunos matriculados, desde o pré-escolar ao ensino secundário. 

Em Portugal, é nas escolas públicas que os diferentes estatutos socioeconómicos dos alunos se verificam. Em salas de aula compostas por alunos mais e menos favorecidos não é só no material escolar que estas diferenças são notórias. Segundo estudo do EDULOG, iniciativa da Fundação Belmiro de Azevedo,  “crianças cujos pais têm rendimentos mais altos ou maiores habilitações académicas tendem a ter ambientes familiares que estimulam mais o desenvolvimento cognitivo, mais acesso a oportunidades de aprendizagem e recursos educativos, e tendem ainda a proporcionar o desenvolvimento de aptidões valorizadas em contexto escolar” (Da desigualdade social à desigualdade escolar nos municípios de Portugal, 2023). De igual forma, alunos menos favorecidos tendem a estar associados a um ambiente familiar com menos estímulos e com menor acesso a informação, algo que apresenta resultados negativos (ou menos positivos) no seu desempenho escolar. O estudo, anteriormente mencionado, aponta ainda para a ligação entre a localização geográfica das escolas e a maior ou menor concentração de alunos do mesmo estatuto socioeconómico. Também de acordo com dados da Pordata, as diferentes localidades refletem disparidades socioeconómicas, como refere Pedro Freitas ao Expresso, “as escolas públicas continuam a refletir os bairros onde as pessoas vivem”, ou seja, em bairros ou freguesias, no geral, mais desfavorecidas e com maiores défices de alfabetização, as respetivas escolas estarão repletas de estudantes influenciados por esses défices, existindo um difícil contacto com outras realidades, o que ainda perpetua mais estes cenários.

Fonte: Correio da Manhã

Sónia Silva é professora do primeiro ciclo há mais de 28 anos, na ilha de São Miguel, e há 24 que leciona na freguesia de Arrifes. Sempre trabalhou com alunos de diferentes estatutos socioeconómicos.

Sónia Silva confirma que os recursos económicos e os seus reflexos no ambiente familiar são os fatores que mais perpetuam desigualdades no acesso à educação. “Normalmente os alunos com mais recursos têm um acesso ao conhecimento que os outros não têm: mais livros em casa, capacidade de pesquisar através da internet e até os próprios pais com outro nível económico, à partida com outro nível de educação, e daí também são mais apoiados em casa no seu estudo”, explica Sónia, destacando a importância de as crianças serem acompanhadas no seu trabalho, em casa. 

Além do direcionamento dos alunos com mais dificuldades de aprendizagem para os respetivos apoios educativos, Sónia explica que procura não exigir tarefas que impliquem acesso às tecnologias – que não são ainda um recurso generalizado. “Tento sempre não prejudicar os alunos nesse tipo de trabalho que requeira um recurso a certos livros e pesquisas porque sei que não vão trazer porque não têm”, justifica. Mais uma vez, também  evita pedir trabalhos que necessitem da ajuda de um adulto, pois, em muitos casos, tal não é possível. 

Quando em casa carecem estímulos, o peso de ser janela do mundo recai ainda mais sobre a escola. Neste sentido, a professora conta de que forma enriquece a experiência dos alunos, especialmente a dos com menores recursos. “Utilizo muito a Escola Virtual, onde eles podem ter acesso a vídeos, áudios, Powerpoints, que eles em casa não têm. Temos também um conjunto de livros de leitura obrigatória que eles leem na sala de aula e até já houve ocasiões em que os levam para casa e depois devolvem. É mais uma forma de a escola ir para casa do que a casa ir para a escola”, confessa. 

O ensino à distância a que o confinamento devido à pandemia da Covid-19 obrigou, revelou também fortes desigualdades. “Foi notório, durante o confinamento, que as crianças que não tinham esses recursos, nem telemóveis, nem internet, nem computador, não acediam às aulas online. Eu tive alunos que nunca estiveram presentes nas aulas online porque não tinham computadores, não tinham internet.” A digitalização do ensino, parece ser uma opção inelegível para os próximos anos. 

Trabalhando com crianças pequenas, há a preocupação de que elas aprendam que não devem desrespeitar as diferenças dos colegas. “Não noto isso, até porque não é uma cultura alimentada na escola. Nunca vi, nestes anos todos de serviço, que haja alguma influência sobre os alunos por causa disso”, afirma Sónia, referindo-se a atitudes hostis (que diz não testemunhar) entre as crianças que ensina. 

A proximidade e a vida local permitem a Sónia Silva ter conhecimento do percurso dos seus alunos após abandonarem a sua sala de aula. “Mais uma vez, não é uma regra generalizada, mas nota-se que quem tem mais recursos económicos prossegue estudos ao nível do ensino superior e normalmente os que não têm recursos não seguem”, mostrando que a educação desigual não se difunde, mas, pelo contrário, acentua-se ao longo da vida do estudante. 

Imagem não sujeita a direitos de autor

Neste dia 24 de janeiro, Dia Internacional da Educação, é importante alertar, não só para o direito à educação, mas também para o devido acesso a um ensino que corresponda às necessidades das crianças e jovens e que realmente sirva de elevador social. 

Fonte da capa: Lézio Júnior

Artigo revisto por Joana Gonçalves

AUTORIA

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Margarida sempre se interessou pela escrita desde pequena. Nasceu em São Miguel, nos Açores, mas mudou-se para Lisboa para ingressar na ESCS e seguir o seu sonho e vir a ser jornalista nos grandes meios de comunicação portugueses. Desde fevereiro de 2022 até junho de 2023, foi editora de Grande Entrevista e Reportagem, mas agora aceitou o desafio de ser Diretora-Geral da ESCS Magazine. Espera estar à altura.