Opinião

A Era Leaked

11012226_864820746893634_273424408_n
(Ilustração por Rute Cotrim)

A Internet é impaciente. Quem espera, desespera, diz o provérbio. E, neste caso, a sabedoria popular assenta que nem uma luva à Sô Dona Rede. É certo e sabido que a indústria musical atravessa tempos atribulados. Os seus timings não se coadunam com o ritmo da locomotiva online. A imprevisibilidade mora ao virar da esquina. Os cérebros da indústria musical esforçam-se por delinear estratégias inabaláveis. No entanto, no duelo do braço de ferro, os vencedores são irremediavelmente os cibernautas. O faro destes é apuradíssimo. Não é de admirar que jargões como vazar ou cair na net sejam tão familiares ao nosso léxico digital.

A já corriqueira expressão The new album is leaked encerra em si um dos maiores pesadelos da indústria musical – da mesma forma que o diabo foge da cruz. Recentemente, Madonna e Björk anunciaram o lançamento dos seus novos álbuns para o próximo mês de março. É escusado dizer que os mesmos vazaram de imediato em todas as artérias da Internet. Para março, fica de pé, apenas e somente, a edição do ‘velhinho’ CD. O incidente obrigou a que, em escassas horas, as visadas reformulassem a estratégia de lançamento de “Rebel Heart” e “Vulnicura”, respectivamente. Bem-vindas ao Novo Mundo das premières musicais…

Numa primeira reacção, ambas recorreram ao remédio genérico iTunes para reparar os danos mais prementes – como quando os serviços municipais remendam um buraco na estrada. Enquanto que a islandesa disponibilizou o álbum na íntegra, a Rainha da Pop optou por disponibilizar apenas seis temas (e umas semanas mais tarde, outros três), reservando os restantes para o lançamento oficial.
Pergunto-me: quem conseguirá resistir e esperar até ao dia do lançamento para ouvir estes álbuns?

Longe vai o tempo em que não tínhamos outra alternativa se não ficar meses infindáveis à espera do dia do lançamento do novo trabalho da nossa banda preferida. A espera era angustiante, uma vez que pouco ou nada sabíamos sobre o tão aguardado disco. E quando finalmente chegava o ansiado dia, íamos a correr comprá-lo à loja mais próxima. E depois, nova corrida até casa para ouvi-lo do primeiro ao último segundo. Sem querer cair em exagero, tratava-se de um autêntico ritual de culto. Hoje em dia, não obstante as vantagens do acesso à música online, admito que a banalidade minou, até certo ponto, o consumo da música.

A Era Leaked, na qual tudo (ou quase tudo) é antes de o ser – bem vistas as coisas, falamos de partos prematuros –, impõe à indústria musical a necessidade urgente de repensar todos os passos da estratégia dos lançamentos discográficos (a palavra disco ainda faz sentido?). Não há fórmulas comprovadas. É uma questão de arriscar e esperar, fazendo figas para que o castelo de cartas não vá abaixo. Há já alguns casos de lançamentos bem sucedidos, como o do último álbum de Beyoncé que, sem que ninguém suspeitasse, foi colocado à venda no iTunes, alcançando num ápice o top dos álbuns mais vendidos. Neste caso, Mrs. Carter conseguiu guardar o segredo a sete chaves.

Apesar dos avisos, é difícil resistir aos spoilers, e quando um álbum cai na net é disso mesmo que se trata: spoilorismo (a palavra existe?). Ouve quem quer; saca quem quer; ninguém é obrigado a fazê-lo. Mas uma coisa é certa: a situação é real e tende a agravar-se, provocando muitas dores de cabeça o todos os profissionais que vivem da música.

(Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico.)

AUTORIA

+ artigos

Diz que é o cota da ESCS MAGAZINE. Testemunhou o nascimento do projeto, foi redator na Opinião e, hoje, imagine-se, é editor dessa mesma secção. Recuando no tempo... Diz que chegou à ESCS em 2002, para se licenciar, quatro anos mais tarde, em Audiovisual e Multimédia. Diz que trabalha há nove no Gabinete de Comunicação da ESCS – também é o cota lá do sítio. Diz que também por lá deu uma perninha como professor. Pelo caminho, colecionou duas pós-graduações: uma em Comunicação Audiovisual e Multimédia (2008) e outra em Relações Públicas Estratégicas (2012). Basicamente, vive (n)a ESCS. Por isso, assume-se orgulhosamente escsiano (até ser cota).