A evolução da medicina: das superstições às prescrições
Muitas vezes associada a “possessões demoníacas”, a epilepsia só foi reconhecida como uma perturbação neurológica no século XIX. E mesmo que Hipócrates, considerado como o pai da Medicina moderna, tenha afirmado que a doença não tinha uma origem divina e sim cerebral, algumas outras crenças erróneas, como o facto de a contaminação da mesma se dar pela respiração, continuaram até ao início do século XX.
Desde o início da civilização que o ser humano busca a cura e o bem-estar para si e para a sua comunidade. Com os avanços científicos e tecnológicos, que se têm aliado a esta área, a medicina tem evoluído exponencialmente, uma vez que os mesmos abrem caminhos para diagnósticos, prevenções e tratamentos a nível mundial. Mas nem sempre foi assim.
Da “Magia” à Medicina
Tomando a epilepsia novamente como exemplo, na Roma Antiga acreditava-se que uma cura para esta doença seria o consumo de sangue de gladiadores. Esta prática continuou por alguns séculos e a eficácia ilusória deste tratamento era muitas vezes justificado pela cura espontânea em algumas formas de epilepsia, como explicam Ferdinand Peter Moog e Axel Karenberg, num artigo publicado na revista académica Journal of the History of the Neurosciences em 2003. Hoje sabe-se que, por exemplo, uma epilepsia reflexa, desencadeada por alguns estímulos luminosos, pode diminuir ou até desaparecer com o tempo.
A medicina primitiva surgiu de observação e de tentativa e erro. O recurso a plantas para alimentação e tratamento de doenças era amplamente usado em ambos os hemisférios. Normalmente, doenças mais leves eram tratadas com ervas, mas coisas mais graves seriam sempre tratadas com rituais para expulsar “energias malignas” do corpo da pessoa, pois, tendo em conta a sua natureza, eram creditadas como tendo causas sobrenaturais. Assim, a magia e a religião eram “fundamentais na medicina primitiva” e o uso de encantamentos e amuletos era uma prática recorrente. Atualmente, algumas dessas práticas ainda são usadas, como o “efeito placebo”, que demonstra na perfeição como uma crença em algo, em certos casos, pode influenciar a cura.
Algumas práticas medicinais que, atualmente, são amplamente usadas foram criadas há milhares de anos, mas perderam-se ou apenas não foram adotadas nos séculos seguintes, muitas vezes por conta de discórdias e disputas religiosas, preconceitos culturais ou mudanças de paradigmas científicos. Por exemplo, já no Egipto antigo, Imhotep, um dos primeiros médicos de que se tem registo, deixou um tratado com 48 casos médicos, organizados em secções como “diagnóstico” e “possibilidade de tratamento” no papiro de Edwin Smith, há cerca de 4600 anos.
Só no período do Renascimento é que algumas práticas antigas, sugeridas por médicos como Hipócrates e Galeno, ressurgiram e foram amplamente difundidas mundialmente, sendo consideradas atualmente como as mais importantes para a medicina moderna. Hipócrates, considerado como o pai da medicina moderna, foi o responsável pelo reconhecimento da medicina como uma ciência autónoma em relação à filosofia e desvinculada das artes místicas. Ao contrário da filosofia, que buscava leis universais e causas únicas, Hipócrates sugeriu a possibilidade de causas múltiplas para as doenças e ainda o facto de que a observação do paciente teria de ser a principal linha condutora para fazer diagnósticos e propor tratamentos e não apenas por dedução e a partir de ideias preconcebidas. Um dos seus legados mais importantes é o Juramento de Hipócrates, onde o mesmo estabelecia um código ético para os médicos. Já Galeno, por sua vez, expandiu o conhecimento sobre o corpo humano em si. Ele foi fundamental na medicina romana, e escreveu obras que perduraram por séculos, sendo, algumas delas, peças-chave na medicina moderna.
Ainda no Renascimento, Francis Bacon e René Descartes foram figuras essenciais para o surgimento de um pensamento e método científico baseado na experimentação como base de conhecimento e na enfatização da lógica e da dúvida metódica. Isto influenciou diretamente a medicina, de forma a que a mesma fosse baseada em observações concretas e que tivesse uma abordagem mais empírica. Este método científico influenciou a farmacologia e a prática médica, promovendo assim busca por tratamentos mais eficazes e a rejeição de crenças infundadas. O médico britânico William Harvey, por exemplo, demonstrou a existência da circulação sanguínea em 1628 por meio de testes e observações diretas, desafiando assim ideias erradas que persistiam há séculos.
A Tuberculoseao Longo dos Anos
Sem a criação de um método científico e sem um conhecimento acumulado e espalhado mundialmente, é provável que durante muito tempo uma única doença possa ter várias interpretações ao longo dos anos: é o caso da tuberculose.
Há evidências de tuberculose em múmias do Antigo Egipto, há cerca de 5000 anos. Esta doença era considerada um castigo dos deuses e muitas vezes eram feitas oferendas e usavam-se amuletos para afastar espíritos malignos. Na Grécia Antiga, o já mencionado como pai da medicina, Hipócrates, deu à tuberculose o nome de “tísica” e considerou-a em todos os casos como sendo fatal. No entanto, recomendava-se a ingestão de leite de burra para fortalecer os pacientes com a doença e ainda o vinho, amplamente usado na época para diversos fins terapêuticos.
Na Idade Média, um dos tipos mais comuns de tuberculose extrapulmonar, a escrofulose, era também conhecida como “mal do rei”. Acreditava-se que alguns monarcas tinham a capacidade de curar a doença ao toque, afirmando possuir poderes divinos que foram herdados na sua família. Eduardo, o Confessor, o penúltimo rei anglo-saxão da Inglaterra, popularizou a prática do “toque real” no século XI. Essa tradição perdeu força no século XVII com o surgimento do Iluminismo. Alguns relatos da época apontam para outros tratamentos populares como o uso de ervas medicinais, rezas e até sangrias, uma prática formulada por Hipócrates e aprofundada mais tarde por Galeno, onde eram feitos cortes ou usadas sanguessugas para extrair sangue do paciente, equilibrando assim, na teoria, os fluídos internos de cada pessoa com a doença.
Entre o século XVIII e XIX, acreditava-se que o clima seco e ensolarado poderia matar bactérias e fortalecer o corpo humano. Surgiam assim os sanatórios: locais onde os pacientes repousavam, se alimentavam bem e essencialmente ficavam isolados, para conter a disseminação da doença. Em alguns casos mais leves da doença, as condições de vida melhoradas que esses locais proporcionavam realmente ajudavam o paciente a recuperar da maleita. O problema é que essa não era uma cura real, apenas uma forma de recuperação, e os casos mais graves, na sua maioria, acabavam por morrer no local.
Só em 1882 é que foi descoberta a verdadeira causa da doença, quando o médico alemão Robert Koch identifica o Mycobacterium tuberculosis, a bactéria patogénica que era, na maioria dos casos de tuberculose, o agente causador da doença. Cerca de 40 anos depois, a vacina BCG foi desenvolvida para prevenir a tuberculose, em 1921, e, duas décadas depois, o bioquímico ucraniano Selman Waksman descobriu a estreptomicina, o primeiro antibiótico efetivo contra a tuberculose, que lhe garantiu o prémio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1952.
A constante comunicação entre medicina, ciência e tecnologia tem sido essencial para avanços medicinais a nível mundial, mas para a medicina moderna ser entendida e para que ela chegasse onde chegou, foi necessário observar o passado com cuidado, questionar e testar os conhecimentos passados, até, finalmente, se formular uma conclusão.
Fonte da capa: Wizmed
Artigo revisto por Matilde Gil
AUTORIA
Seria clichê dizer que eu era uma criança irrequieta. Seria clichê e errado, porque nunca fui. O pequeno Bruno gostava de estar no seu canto, sossegado, a descobrir o máximo de coisas possível e a aplicar as aprendizagens para criar o que lhe apetecesse. Hoje em dia, a única coisa que mudou foi a minha altura. Sempre fui um ávido do conhecimento e sempre o espalhei com prazer. Talvez tenha sido por isto que segui Jornalismo e não as outras mil opções que tinha em mente, porque condensa tudo o que mais amo.