A MISERICÓRDIA SUPLANTA A JUSTIÇA
A costa do Mediterrâneo já foi controlada por um só povo. Os romanos conseguiram essa proeza ela, controlar o centro do mundo na altura. Hoje em dia o Mediterrâneo tem uma costa repartida. Já não é um lago único mas sim uma piscina de vários quintais. Este grande ponto de união é, nos dias que correm, a fronteira entre o bem e o mal, digamos assim. Entre o pesadelo africano e o sonho europeu.
O passado fim-de-semana foi para recordar. Recordar o que se anda a fazer mal. O apogeu dos perigos e consequências da imigração ilegal. O caso mais grave do fim-de-semana, entre 3, foi o de um barco, com 20 metros de comprimento, onde iam cerca de 700(!) pessoas. Valor calculado pelos cerca de 50(!) sobreviventes. Desde 2014 já morreram cinco mil imigrantes no Mediterrâneo. O ano ainda agora começou e já vamos em mil e quinhentos, um novo recorde.
Perante isto, a Comunidade Europeia criou, em Outubro passado, o programa Mare Nostrum (bom nome…). Um programa concentrado nos salvamentos dos imigrantes. Em 2014 salvou mais de cem mil vidas. Este programa tinha um custo de 9,5 milhões de euros. E perguntam vocês: tinha? Exacto. Tinha, porque já não existe. Este programa responsável por salvar seres humanos da morte certa foi cortado por ser demasiado dispendioso e por se considerar que este esforço nos salvamentos estava a encorajar as pessoas a tentar atravessar o Mediterrâneo, porque sabiam que a probabilidade de serem salvas era maior.
O que dizer disto? Não sei bem. Uma comunidade que defende valores tão elevados como a punição da pena de morte não pode, muito menos por razões tão ridículas, condenar à morte milhares de pessoas todos os anos. A operação Mare Nostrum cobria quase todo o Mediterrâneo. A sua substituta, a operação Triton, apenas cobre as águas italianas e maltesas. Com isto reduziram os custos para 3 milhões. Poupança: 6,5 milhões a dividir por vários(!) países da UE. As consequências ao nível de mortes são, obviamente, brutais.
Pior é que a população europeia está muito mal educada, digamos, para encarar este assunto como deve ser encarado: com o objectivo de salvar seres humanos que apenas querem fugir do inferno onde estão. Os imigrantes são sempre mal vistos em épocas de crise. Quando estamos bem e temos trabalho, eles que venham ocupar os empregos que não queremos; depois podem sair. Este tipo de visão faz com que as pessoas não queiram imigrantes, muito menos ilegais, no seu país. O que não tem mal nenhum; é, aliás, preferível que o trabalho seja feito por “nacionais” e que os imigrantes que lá vivam estejam legais. No entanto, isso não justifica que se olhe para essas pessoas como algo menor do que nós.
Impedir estes números anormais de mortes na nossa costa tem que ser uma prioridade. Treinar equipas de salvamento, patrulhar mais e melhor as nossas águas é essencial. Pelo menos para evitar que num salvamento morram mais de metade das pessoas porque está a ser feito por um navio de pesca. Temos que imaginar o quão más estavam a ser as suas vidas para correr um risco tão grande com poucas hipóteses de sucesso. É justo gastarmos o nosso dinheiro a salvar pessoas que vêm ilegalmente, que podem nunca chegar a pagar impostos e que não deveriam ser a nossa responsabilidade? Não sei. Podemos até dizer que não. Mas, felizmente, nós de racionais temos pouco. E nessa irracionalidade a misericórdia tem que suplantar a justiça. Sempre.
AUTORIA
O Pedro acha-se muito esperto mas quem for ver percebe que no fundo é apenas parvo, mas já morreu uma vez e esteve para morrer outras duas, por isso tem desculpa.