Editorias, Opinião

A não democracia

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É comummente reconhecido que 74 nos deu liberdade e nos trouxe a democracia. Sei que não estamos, em Portugal, num governo ditatorial; mas isso não significa que não estejamos numa ditadura.

A opinião pública já não é controlada pelo Estado, de forma direta, como até ao 25 de abril ou noutros regimes autoritários acontecia e acontece. Mas isso não significa que vivamos a democracia pura, a qual só é atingida através da liberdade máxima da população – esta que está longe de ser alcançada, devido principalmente à continuação do controlo da opinião pública em governos não ditatoriais.

Esse controlo é feito, na maioria da Europa, através dos meios de comunicação social, que se mascaram de informação e entretenimento enquanto discretamente injetam ideias, perspetivas e opiniões nas mentes das massas, de forma a mantê-las submissas ao sistema capitalista. Isso acontece através da seleção cuidada dos dados e das verdades, comunicando à população a existência de uma realidade única, com o objetivo de a homogeneizar e por isso controlá-la mais facilmente.

O capitalismo, o sistema económico que defende a privatização dos meios de produção, tendo como objetivo o lucro, é predominante no ocidente, incluindo no nosso país, e a sua existência reflete-se nos meios de comunicação social, que cada vez menos procuram transmitir o conhecimento necessário para que os indivíduos façam escolhas refletidas no seu quotidiano e cada vez mais procuram transmitir o que sacia de forma mais imediata a natural curiosidade do ser humano. Os media comportam-se desta forma porque é através da diversão facilitada e dos conhecimentos e das perspetivas vistos pelas massas como válidos que estas se tornam consumidoras e entregam moedas e notas aos jornais, à rádio, à televisão e à internet – entidades vítimas e cúmplices do capitalismo.

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Os meios de comunicação social são cúmplices do capitalismo porque vendem conteúdo que o apoia. Assim que um novo meio de comunicação surge, ele é de imediato tornado num produto do mercado e ao mesmo tempo num servo dele. O que é ensinado na escola (a hierarquia e a obediência inevitável para se ser um indivíduo bem sucedido) é reforçado em qualquer conteúdo dos media socialmente relevante. Claro que existem pessoas que criam conteúdo não favorável ao capitalismo e por vezes mesmo contra ele; mas essa peça, esse artigo ou esse livro não influenciará um número suficiente de indivíduos para levar a uma mudança social ou ter algum impacto na sociedade sequer, pois conteúdo diferente do da norma, ou mesmo oposto a ele, desconforta as massas, que interiorizaram ideais capitalistas e por isso praticamente apenas consomem os meios de comunicação que cujas perspetivas vão ao encontro das suas (não as suas originais – essas desvaneceram-se desde a primeira socialização – mas as do capitalismo).

Este círculo vicioso pode ser travado, gradualmente, através da consciencialização das massas e de um consumo racional e crítico da sua parte. No entanto, esse pensamento crítico é especialmente necessário nos trabalhadores da área da comunicação social, pois o seu trabalho tem consequências diretas e a grande escala na mentalidade da população e, por corolário, na continuidade ou não do sistema capitalista.

Só após a destruição do capitalismo será possível libertar os meios de comunicação social do compromisso do lucro, e só aí existirá a possibilidade de não haver controlo da opinião pública, de os indivíduos receberem a informação de que necessitam para, por si próprios, fazerem as que pensam ser as melhores escolhas e de assim serem livres, participando verdadeiramente na democracia, a que aceita a heterogeneidade natural da humanidade.