Opinião

A pedagogia dos anónimos

A guerra está declarada. O campo de batalha são as redes sociais. Um frente-a-frente: de um lado, os jornalistas; do outro, os anónimos por detrás de páginas de denúncia. Acusações e escrutínio são as armas de arremesso.

Nos últimos tempos, temos assistido ao surgimento de páginas cuja missão passa por desconstruir e analisar as publicações dos media portugueses. A página “Os truques da imprensa portuguesa” é o caso mais paradigmático. Diariamente, “Os Truques” dão dores de cabeça aos jornalistas – e até coleccionam alguns ódios de estimação. Poder-se-ia dizer que são o arquétipo do inimigo dos jornalistas. Mas há outras páginas: “Anti Clickbait Portugal” é uma delas. Em comum, estes anónimos clandestinos têm a capacidade de incomodar a classe jornalística. Porquê? Porque tocam na ferida, porque questionam, porque analisam.

Quem vence esta guerra? O público, uma vez que a actividade destas páginas acaba por desempenhar um papel pedagógico, contribuindo para a literacia mediática da população. Parece rebuscado, mas não é. Até há poucos anos, a comunicação entre o emissor e o receptor (media e cidadãos, respectivamente) era unidireccional – os primeiros eram donos e senhores da mensagem; os outros comiam e calavam, isto é, recepcionavam-na como verdade absoluta. Felizmente, o público é, cada vez mais, esclarecido e é aí que os media tremem de receio. Os jornalistas têm de lidar com as suas fragilidades, têm de saber escutar, têm de assumir os erros. A democratização do acesso à informação permitiu ao cidadão questionar as mensagens mediáticas. Por isso, é fundamental estarmos munidos das ferramentas necessárias para decifrá-las. É neste ponto que estas páginas contribuem para a literacia mediática.

O jornalista tem um papel fundamental na sociedade contemporânea: deve ser capaz de apresentar os factos e, através destes, ajudar os cidadãos a reflectir sobre os acontecimentos que ocorrem no mundo. Contudo, esses factos são, cada vez mais, deturpados em prol das audiências (isto é: do lucro dos grupos económicos em que os media estão sediados). Clickbait é um dos termos mais sonantes do momento – quiçá não se tornará a palavra do ano 2017 – e reflecte essa ânsia de, a todo o custo, levar os cidadãos a clicarem nas publicações destes media nas redes sociais. Basicamente, trata-se de um engodo, em que o cidadão é aliciado, através de um isco, a clicar nesse link. Não esqueçamos, também, a invenção de notícias, as tão célebres fake news, obra surrealista do populismo. Infelizmente, os jornalistas – classe tão nobre – são pressionados a fazer este tipo de coisas a que se pode chamar tudo menos jornalismo.

Perante este cenário, que não parece dar sinais de melhoria, como poderão os jornalistas ser levados a sério? Meus caros, depois, não nos venham falar da crise do jornalismo.

A saber: estas páginas não devem ser encaradas como um inimigo; devem, antes, ser uma wake up call para os jornalistas e, tal como no caso dos cidadãos, devem exercer uma função pedagógica junto daqueles profissionais, levando-os a fazer um melhor trabalho.

Porque o jornalismo merece.

O Marcos Melo escreve ao abrigo do Antigo Acordo Ortográfico.

AUTORIA

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Diz que é o cota da ESCS MAGAZINE. Testemunhou o nascimento do projeto, foi redator na Opinião e, hoje, imagine-se, é editor dessa mesma secção. Recuando no tempo... Diz que chegou à ESCS em 2002, para se licenciar, quatro anos mais tarde, em Audiovisual e Multimédia. Diz que trabalha há nove no Gabinete de Comunicação da ESCS – também é o cota lá do sítio. Diz que também por lá deu uma perninha como professor. Pelo caminho, colecionou duas pós-graduações: uma em Comunicação Audiovisual e Multimédia (2008) e outra em Relações Públicas Estratégicas (2012). Basicamente, vive (n)a ESCS. Por isso, assume-se orgulhosamente escsiano (até ser cota).