A tentação de se ser um atrasado mental – Parte 2: DJ Brunão e os Leais Banais
Considero-me uma pessoa apaixonada. Não falo da paixão que leva a compras de bombons, jantares à luz das velas e ao som de Michael Bolton, Marco Paulo ou XXX (dependendo da pirosice correspondente a determinada faixa etária) e a perdas de tempo em compras, passeios, conversas ou outro tipo de tretas. Falo do tipo de paixão que envolve jantares à pressa a ver o Preço Certo, lanches ao som de 20 canções da mesma banda – que resolvi começar a ouvir, apesar de já a conhecer há anos. E pensar que é uma porcaria abrir e fechar separadores e é uma perda de tempo quando podia estar a fazer alguma coisa de jeito. Basicamente, em vez de pensar em estar com certa pessoa do sexo oposto, no meu caso, que me poderia fazer corar ou simplesmente ficar esquisito, por ser uma pessoa interessante (tanto por ser uma pessoa fixe, como por ter uma aparência fixe), só penso na altura na qual vou estar a fazer determinadas coisas do meu mais extremo interesse.
Tenho “polifoco”. Não é tão mau como ser polígamo. Será isto tudo patético? Talvez. Infantil seria um melhor termo: patético é ofensivo e eu não gosto de ser ofendido, porque sou muito sensível e simplesmente não gosto. É mau, faz mal e é muito rude. A minha paixão é demonstrada através das minhas tentativas de aprender mais sobre o que me apaixona e de discutir acerca disso mesmo com outras pessoas com as quais uma discussão valha a pena.
No entanto, numa era de muita confusão e onde toda a gente pode ser vista, ouvida, bajulada e/ou espezinhada, as pessoas vistas como sendo as mais apaixonadas e que, desse modo, são as mais apreciadas, são aquelas que falam mais alto. Não interessa tanto se uma opinião é bem fundamentada: interessa a opinião da pessoa que mais for ouvida e com a qual as pessoas se identificam mais. Eu aprecio um bom grito: gosto bastante de estilos de música mais “barulhentos” e, como delinquente, estúpido e falso apaixonado que sou, gosto de treinar os meus “gritos”. Aliás, em pequeno treinava-os tanto em frente à minha humilde consola que os meus avós brincavam comigo sobre isso. “Ainda agora passou a pessoa x, tal e “coise”, a perguntar se estava tudo bem, porque te ouviu a gritar e pensava que tinhas partido uma perna”, diziam os refinadinhos avós. Ainda faço isso, mas tento ser mais discreto: agora é o cão que me ouve e ladra, porque não percebe de onde vem o som. “ÃO ÃO ÃO ÃO ÃO ÃO ÃO ÃO ÃO”, tem ele a lata de ladrar. Nunca vi um cão tão safadão. No entanto, no meio desse grito, se não houver substância, corre-se o risco de sermos ludibriados, especialmente se a nossa cabecinha estiver cansada e pouco treinada.
Nesta semana na SIC Notícias, um pseudo-comentador discutia com outro pseudo-iluminado sobre Bruno de Carvalho e o seu legado como presidente do grande Sporting Clube de Portugal. Este pretende cimentar o seu estatuto imperial com a adição do seu incrível Keizer. Peço desculpa…. O senhor número um dizia que, para o bem e para o mal, o agora “disco-jóquei” Brunãozarrão foi um grande presidente. O senhor número dois torceu o nariz e tentou refutar. O argumento de defesa do número um andou à volta: “Meu querido amigo, mas já viu a quantidade de gente a fazer barulho em Alvalade todos os fins-de-semana?”. O legado de Bruno de Carvalho foi semelhante ao de outras soberbas figuras na história das coisas, como Hitler e Mussolini: trouxeram muitas pessoas para os sítios e instigaram os atos mais violentos da história das respetivas coletividades. Tal como os seus antecessores, Brunão, “enfeitiçado” pelas promessas de tornar o Sporting grande outra vez, limpando a casa dos “croquetes” e elitistas e devolvendo o clube aos sócios, aproveitou um período negro na história do clube para tomar as rédeas e aglomerar um grupo de seguidores. O homem laranja fez o mesmo nos Estados Unidos e o mito Deusão fez o mesmo no Brasil. Eu posso dizer que contribui para o mandato de Bruno: votei nele uma vez e teria votado mais duas, se tivesse idade para votar aquando da sua primeira eleição e da eleição na qual perdeu para Godinho Lopes. As alternativas seriam mais do mesmo. Tinha de se mudar: Bruno era a melhor hipótese, tal como Trump e Bolsonaro o seriam, tendo em conta as possíveis alternativas, independentemente das ideologias.
Bruno de Carvalho não é nenhum Hitler. É da maior estupidez comparar um ressabiado e maluco megalomaníaco que pegou num clube de futebol com um demente responsável pela morte de milhões de pessoas. No entanto, a meio do seu mandato, claramente perdeu o sentido da coisa. É um político que, sedento de poder, galvanizou o populacho sportinguista, o mínimo denominador comum da nação leonina, e subiu ao trono. Mas o mais importante foi o facto de os seus seguidores, pessoas comuns, banais e fartas de insucesso no clube do seu coração, levarem as palavras de ordem do seu líder demasiado a sério. Estas despoletaram uma série de eventos que culminaram no ataque. Aquando do julgamento de Adolf Eichmann, um antigo guarda nazi, em 1962, a filósofa Hannah Arendt, ela própria judia, referiu os atos de Eichmann como um “mal banal”. Reduziu as barbaridades que este cometeu em nome do regime a atos quase robóticos de alguém que queria apenas fazer o seu trabalho de forma diligente. No caso dos ataques em Alcochete, um grupo de atrasados mentais atraiu mais alguns patetas que, unidos por um sentimento de pertença e de diligência, partiram para a academia, sem grande ideia daquilo que iriam fazer. Da mesma maneira, muitos defenderam e continuam a defender o antigo presidente. Não só porque acharam que aquilo que este estava a tentar fazer era o correto, mas porque ele era, acima de tudo, o seu líder. Para além disto, apoiam que Bruno de Carvalho deu voz e legitimou quem não se sentia legitimado pelos seus antecessores. Não são psicopatas: são pessoas comuns e pouco espertas que caíram no engodo de alguém mais inteligente, mas que se revelou demasiado instável. Parecia que iria ser um bom presidente, o nosso DJ, mas borrou a pintura na totalidade quando, em maio, os gunas tomaram de assalto a Academia. Alegadamente, tem mão na cena. Ainda há quem o apoie. Ninguém adivinhou que Bruno iria perder o juízo, mas não há desculpa para continuar a apoiá-lo. Será engraçado ver a reação dos seus apoiantes se, por acaso, se vier a confirmar as acusações e se o antigo presidente for realmente culpado. Espero que seja humilhante e que nunca mais tenham vontade de sair de casa, porque eu certamente sofrerei um pouco desse mal, visto ter votado no homem.
A não ser que queiram ser o próximo Corey Taylor ou Chuck Schuldiner, gritar não é uma qualidade. Pode-se aprender a gritar, como é óbvio, mas é mais importante saber pelo que se deve gritar, e quando se deve gritar. Sentir que pertencemos a algo é bonito e tal, mas há limites. Não precisamos de ser engenheiros ou físicos para perceber isso, mesmo que se calhar alguns engenheiros e físicos pensem isso. Mas eu sou de letras. Não me compliquem a cabeça, que ela já mal dá para escrever três páginas de caca colada com cuspo. Eu diria para não se repetir a história. Mas enquanto houver quem se sinta desenraizado e silenciado, irão aparecer mais Brunos para rebentar com isto tudo, e nada justifica aquilo que aconteceu há 6 meses, como já tive a oportunidade de gatafunhar. Há que tentar prevenir o pessoal mais impressionável em relação a este tipo de coisas, mas os abutres que compõem os media do tugão não ajudam em nada. Já vos disse que a televisão pública usou um potencial criminoso e, ao abrigo da lei portuguesa, terrorista para ganhar audiências num programa praticamente morto? Convinha que a RTP tivesse (ainda) mais cautela…
Artigo revisto por Sara Tomé