As Navegadoras do Sonho
O apuramento histórico para o Mundial 2023 foi muito mais do que um salto para a “piscina dos crescidos”. Foi uma justa e merecida vitória para todos os que contribuíram para a evolução do futebol no feminino.
A Seleção Portuguesa de Futebol Feminino fez história ao garantir uma presença inédita num Campeonato do Mundo. Foram precisos 13 jogos (uma fase de grupos e dois play-offs) para que a equipa liderada por Francisco Neto pudesse finalmente fazer jus a todo o crescimento que tem existido na última década.
O Jogo da Glória
Foi no outro lado do mundo, na Nova Zelândia, que a Seleção Feminina disputou o jogo mais importante da sua história, no qual sofreu mais do que merecia, ganhando 2-1 frente aos Camarões.
Esta foi uma partida em que Portugal impôs o seu futebol e mostrou a sua clara superioridade frente ao adversário. O golo parecia poder chegar a qualquer momento e, aos 22 minutos, depois de Kika ter atirado ao poste, Diana Gomes, na recarga, fez o 1-0. O domínio português foi constante, mas, aos 89 minutos, Ajara Nchout igualou o resultado, deixando o jogo em aberto até ao fim do tempo regulamentar. Já durante o período de descontos, um remate de Andreia Jacinto foi desviado com o braço por uma jogadora camaronesa e a árbitra apontou para a marca dos onze metros. Foi Carole Costa que teve nos pés a derradeira oportunidade de marcar o golo mais importante da sua carreira, e respondeu com frieza e maturidade. Estava então garantido o apuramento para o Mundial 2023.
De um passado de luta para um futuro de reconhecimento
Carla Couto, Alfredina Silva, Edite Fernandes ou Paula Cristina são apenas algumas das protagonistas do passado que trilharam caminho para que hoje um lugar entre as melhores não seja apenas um sonho. Sem contratos profissionais nem escalões de formação, foi por amor ao futebol que sempre resistiram a todo o descrédito dado ao futebol praticado por mulheres. Mesmo sem nunca lhes terem sido dadas condições, iniciaram um caminho de sacrifício e dedicação para que as jogadoras de hoje consigam viver o sonho de serem profissionais de futebol.
Muita coisa mudou desde então, começando pela mudança de mentalidades até à profissionalização. Segundo dados da Federação Portuguesa de Futebol, o número de praticantes mais do que duplicou nos últimos dez anos, principalmente entre os escalões sub-13 e sub-15. A formação tem sido uma forte aposta tanto da FPF como por parte dos clubes, que cultivam aquelas que serão um dia as protagonistas da modalidade. O SL Benfica, o Sporting CP e o SC Braga têm sido os principais impulsionadores e investidores, sendo os principais representados nas convocatórias da seleção nacional e as únicas equipas 100% profissionais da Liga BPI.
Apesar de tanto já ter mudado, continua a estar aquém daquilo que seria desejável para que possam estar nos lugares cimeiros do ranking mundial e competir de igual para igual com as melhores seleções do mundo. É preciso que tanto os clubes como a federação deem mais apoios e contributos para que a prática desportiva seja cada vez mais valorizada. É preciso que joguem numa liga profissional na qual haja competitividade e que possam jogar em estádios de referência. É preciso que as meninas que sonham um dia ser jogadoras deixem de poder treinar só depois de todos os escalões masculinos o terem feito. É preciso que os adeptos apareçam em massa a cada jogo. É preciso que os meios de comunicação se envolvam mais e não ignorem os feitos alcançados. É preciso que a igualdade seja estabelecida.
Enquanto isso não acontecer, será que é justo exigir a estas mulheres que nos surpreendam ainda mais?
Fonte da capa: O Jogo
Artigo revisto por Margarida Pedro
AUTORIA
A paixão pelo desporto foi o que a fez querer escrever para a Magazine. Encontra no desporto, tal como na música, a maior forma de liberdade e aprendizagem. Só precisa de um bom concerto e um bom jogo de futebol para ser a pessoa mais feliz do mundo. Considera-se uma pessoa justa e por isso a imparcialidade estará presente em cada um dos seus artigos.