Opinião

As redes sociais estão a matar a nossa vida amorosa?

As redes sociais foram criadas para nos aproximar uns aos outros, mas estará o tiro a sair pela culatra? 

Ao ouvir a letra da música 22:22 do X-Tense, «Anda ter uma vida real e não temas num dia mau não ser uma fotografia ideal no Instagram», decidi procurar o que a comunidade científica tinha a dizer acerca deste impacto que os nossos feeds parecem ter no que sentimos a respeito da nossa relação. Sabe-se que as redes sociais podem ter um forte impacto na maneira como percecionamos o nosso sucesso pessoal em vários níveis e parece que o parâmetro amoroso não foge a esta regra. 

Desde que o Mark Zuckerberg, o Kevin Systrom, o Mike Krieger, o Evan Spiegel e o Zhan Yiming puseram no mundo os queridinhos do digital (Facebook, Instagram, Snapchat e Tiktok), novos conceitos e dilemas surgiram no campo romântico tais como: tornar ou não a relação “social media official”, quando e como publicar uma foto de casal, quando passar dos “amigos chegados” para o feed e manter ou não as fotos com ex-namorados. 

Estas novas problemáticas causaram um crescente interesse nos estudos acerca do impacto das redes sociais nas relações amorosas. O objetivo de todos eles é responder à pergunta que interessa a todos os românticos: estar ativamente nas redes sociais influencia a expetativa, a perceção ou a satisfação que tenho em relação ao meu parceiro? 

Aquilo que muitos estudos apontam é que a resposta é “sim”. Obviamente, a suscetibilidade à influência varia consoante o utilizador, mas coloca-se a possibilidade de os pombinhos do século XXI estarem mais descontentes – um paradoxo, tendo em conta o grande foco que tem sido colocado no amor romântico com a criação de múltiplas dating apps, estudos e livros na temática, filmes sobre o amor, jogos para casais, etc.

Na verdade, o sem número de opções no campo amoroso é um dos principais motivos que parece determinar o fracasso das relações modernas. Segundo Yacoub et al., o facto de os solteiros da era tecnológica terem tantas opções por onde escolher um parceiro faz com que estes desistam mais facilmente se uma relação se esbarrar contra uma dificuldade, pois sabem que à distância de um swipe podem ter uma nova relação que não tenha essa dificuldade. Isto faz com que seja mais difícil ficar leal a uma pessoa: a aparência de que existem muitas outras possibilidades de parceiros melhores e atingíveis de forma fácil parece vencer quando oposta a preservar uma relação atualmente em conflito. Pessoalmente, sinto a necessidade de dar ênfase à palavra “aparência”. Só porque existem outras pessoas disponíveis não quer dizer que nos vão amar tanto quanto a pessoa com quem estamos agora ou que sejam melhores para nós. O ditado “a galinha do vizinho é sempre melhor que a minha” encaixa-se perfeitamente nesta situação. Pensamos sempre que os outros têm melhor do que nós, mas nem com galinhas nem com namorados isso é necessariamente verdade.

A satisfação que uma pessoa sente na sua relação pode ser também alterada pela perceção que tem de outras relações e as redes sociais apenas intensificam esta realidade, uma vez que nos permitem presenciar momentos românticos de milhares de casais. Se vemos uma publicação de alguém a receber um presente espetacular, a ter um date de sonho ou a viver momentos de #couplegoals, cria-se um sentimento de inveja e de insatisfação com a relação em que estamos, como se agora tivesse menos valor. Cria-se um conflito que de outra forma não existiria. Mesmo que até então estivéssemos completamente satisfeitos com a nossa relação, saudável e confiável, estes conteúdos deterioram a nossa perspetiva acerca da relação que temos. Fox et al. (2014) chega até a afirmar que uma relação pode ter confiança, lealdade e amor, mas as redes fazem parecer que isso não existe, através da comparação com outras vidas virtuais.

man and woman covered in blue blanket

Fonte: Unsplash

Aquilo que é preciso relembrar é que a maioria das pessoas apenas partilha o melhor das suas vidas nas redes sociais. Aquilo que é mostrado nem sempre é real, pois pode-se distorcer a realidade, criando imagens e textos que não sejam completamente honestos: momentos de casal forçados, fotografias alteradas e irrealistas, descrições exageradas ou mesmo pouco verdadeiras são coisas que não faltam nas redes sociais.

É preciso termos noção disto e controlar os pensamentos que temos quando vemos algo online que nos faz sentir mais pequenos na nossa relação. As redes sociais – ou mesmo filmes e músicas – criam padrões de expetativas ilusórios e impossíveis de se tornarem reais. Ao contrário do que o Instagram possa fazer parecer, nem sempre vai estar tudo bem numa relação, nem sempre vamos “sentir borboletas” e a paixão não é – nem pode ser em termos fisiológicos – constante. No entanto, é isto que vemos nas redes: relações ideais, momentos perfeitos, amores intensos, juras e gestos grandiosos. 

Devemos questionar-nos: quanto disto é genuíno? Porque completamente natural não é. Não nos é natural colocar uma câmara no meio dos nossos momentos amorosos. E o facto de existir esta câmara, por mais honesto que o casal possa ser, obrigatoriamente, o que vemos não pode não ser exatamente verdadeiro. Isto, pois, como nós próprios experienciamos, um vídeo, uma imagem ou um texto tem ângulos, tem filtros – literais ou figurativos -, tem seleção do que queremos que seja mostrado ou não. As pessoas estão no seu best behaviour ou pelo menos num desired behaviour, pois sabem que estão a ser vistas. Não vemos muita coisa dos casais digitais.

E porquê «postar» isto nas redes sociais? Qual é o meu objetivo ou o objetivo desta pessoa que sigo? Porque sinto necessidade de ter aquilo ou de publicar aquilo? Penso que a resposta não seja propriamente «porque gosto muito dele/dela», pois esse gostar pode acontecer em privado. 

Não é que seja errado partilhar algumas partes da nossa relação – todos o fazemos, quer online, quer offline. Mas penso que existe uma diferença entre partilhar com o nosso círculo íntimo as nossas felicidades e mágoas amorosas e mostrá-las a centenas, ou milhares, ou milhões de pessoas. De onde vem esta necessidade de «gritar ao mundo que o amo e ele me ama»?

Adicionalmente, a possibilidade de ver imagens da vida amorosa das outras pessoas on demand pode ser perigoso. Abre-se espaço para criar um hábito do consumo destes conteúdos, reforçando a cultivação de expetativas irreais e injustas para o nosso parceiro. A opção de poder voltar a revisitar esses conteúdos em momentos frágeis da nossa relação pode também causar um agravamento da situação, pois estamos a aliar problemas que já existiam às nossas inseguranças provenientes das redes sociais. Tal como ver programas de cozinha enquanto estamos com fome não nos ajuda, consumir conteúdos que retratem relações idealistas quando estamos inseguros também não nos faz favores nenhuns. 

As relações – mesmo que não amorosas – na vida real são complicadas, são complexas, envolvem trabalho, esforço, cooperação e entrega. Há discussões e zangas e pessoas que se amam muito, mas que se magoam de vez em quando. É inevitável por mais que não queiramos. Na minha ótica, as relações amorosas são particularmente desafiadoras nestes aspetos, pois, à partida, envolvem dimensões que outras não incluem como a exclusividade e o sexo.

Com as redes cria-se, então, uma dimensão de problemáticas que os casais antes desta Era Digital não enfrentavam: os pares a certo ponto terão de conversar acerca das redes sociais, terão de estabelecer aquilo que será o seu comportamento nas redes sociais: Assumimos a nossa relação nas redes? Para quem? Quando? Se diferirmos naquilo que estamos confortáveis, como resolvemos isso? Com o que é que estamos confortáveis que o outro continue a fazer nas redes? Temos legitimidade para limitar o outro nas suas redes sociais? 

Verifica-se também que quando um dos elementos do casal se mostra hesitante em partilhar a relação online se cria um conflito, pois é visto como suspeito, como uma fuga ao compromisso, falta de amor ou embaraço relativamente à relação. Cria-se desconfiança e ciúmes, quando, na verdade, o motivo pode ser apenas não estar confortável ou não gostar de partilhar a sua vida online.

Penso que teríamos relações bastante mais sucedidas se nos focássemos mais em se os valores necessários estão nas nossas relações e se a pessoa com quem estamos nos trata bem e nos faz crescer. Devíamos entender que cada casal tem a sua dinâmica e não precisamos de ser como a Maria-Fotografia-Romântica-Num-Hotel-XPTO e o Manel-A-Maria-É-A-Minha-Vida para termos uma relação incrível.

person surfing on sea during daytime

Fonte: Unsplash

Artigo revisto por Rita Asseiceiro

AUTORIA

+ artigos

A Constança é aluna de Relações Públicas e Comunicação Empresarial, sendo uma nerd pela estratégia e pela comunicação interpessoal. Com uma paixão por escrever e debater, a escrita de opinião sempre foi o elemento natural desta autora. O seu objetivo é conseguir ser versátil na escrita ao abordar todo o tipo de temáticas e receber feedback que a ajude a elevar a sua escrita para o próximo nível.