Media

Chernobyl: o teste de segurança que falhou

O desastre de Chernobyl aconteceu a 26 de abril de 1986. Contudo, apenas 33 anos e dez dias depois, a 6 de maio de 2019, estreou a minissérie da HBO, que veio mostrar os acontecimentos ao detalhe. 

Como que uma chupeta para silenciar os espetadores descontentes com o final de Game of Thrones, o canal de televisão lançou cinco episódios que recriam não só o que antecipou o acidente nuclear mais dramático da história, como aquilo que lhe sucedeu. 

No total, são cinco horas de conhecimento acrescentado sobre o fenómeno. Claro, todos sabemos que ele existiu, mas são menos aqueles que conhecem a verdadeira sucessão dos acontecimentos. Desde os trabalhadores da instalação nuclear e os seus passos errados à devastação que tal provocou, a minissérie retrata tudo pormenorizadamente. É a melhor maneira de entender a catástrofe, bastando apenas carregar cinco vezes no botão play no conforto do nosso sofá, que vai deixando de ser tão aconchegante à medida que somos atingidos pela realidade aterradora do acidente nuclear de Chernobyl. 

Deste modo, caso queiram perceber melhor o que se passou, aconselho-vos vivamente a dedicarem uma tarde ou noite das vossas vidas à visualização desta espécie de documentário. Não vão estar com um sorriso na cara, mas certamente sentir-se-ão mais por dentro do assunto, ainda que com alguma carga emocional negativa. Shit gets real quando se apercebem de que o que é ali retratado não foi mera ficção. Foi um momento triste da humanidade que ainda hoje tem sérias repercussões.

Com uma atmosfera nublada e escurecida, os episódios mostram quais os intervenientes que a história se esquece de relembrar. Assim, a minissérie serve para dar o devido reconhecimento a quem o merece, mesmo que já não esteja cá para o testemunhar. São vários os nomes ressaltados por entre cenas, uns por terem premido gatilhos, outros por terem desvendado culpados. 

Ao assistirmos à nova obra da HBO, percebemos que nem os que presenciaram o momento entenderam desde logo o que se tinha passado. Os habitantes de Pripyat, a cidade mais próxima da Central Nuclear, achavam tratar-se de um simples incêndio, facilmente extinguível com a ajuda dos bombeiros locais. O que eles não sabiam – porque lhes foi escondido – eram as implicações que o dito incêndio teria. Havia rebentado o núcleo de um dos reatores da Central, explosão esta que significaria a disseminação de poeira radioativa. A dimensão foi tal que estas partículas provenientes da Ucrânia chegaram à Suécia, percorrendo uma distância de 1500km. Ainda que gravíssima, a situação foi ocultada da população, pois havia uma imagem a manter. A União Soviética não estava disposta a manchar a sua reputação, mesmo que isso custasse vidas. Viver na negação foi o caminho que os dirigentes optaram por percorrer, caminho este que apenas agravou o estado já irremediável em que se encontravam as redondezas de Pripyat. 

Fonte: Thrillist

A HBO vem contar como é que, num país governado pelo secretismo, alguns habitantes fizeram a diferença pelo seu finca-pé. O assunto acabou por chegar aos media internacionais e, ainda que tarde demais, começaram a tentar remediá-lo. Foram muitas as tentativas de conter a bomba-relógio que se encontrava no Reator 4 da Central Nuclear, tal como foram muitas as vidas ceifadas pela radioatividade. Quando finalmente se iniciou a evacuação, já havia vítimas contabilizadas. A população foi instruída a deixar as suas casas temporariamente, a deixar a sua vida para trás. Mal eles sabiam que nunca regressariam. 

A minissérie puxa pelo lado emocional do espetador, tendo cenas muito pesadas e chocantes. Talvez tenha sido mesmo o choque o mecanismo utilizado pelos produtores para nos sensibilizar quanto a algo apenas vagamente mencionado nas aulas de História. Se as séries já fazem parte do nosso dia a dia, porque não utilizá-las para a nossa aprendizagem? É uma estratégia atual e, no meu ponto de vista, inteligente para despertar o interesse de quem pouco ou nada se interessa. 

De rostos desfigurados a violência contra animais, Chernobyl não poupa na brutalidade. Ainda assim, por vezes não há outra maneira de se manterem fiéis à história que não a representação verídica do sucedido. Se perturba? Sim, perturba. Sentimo-nos desconcertados com aquilo que vimos, ainda que tenhamos presenciado uma ínfima fração do que foi o “acidente”.

Certamente não havia maneira fácil e cor de rosa de dar a conhecer o desastre que tornou a região inabitável até aos dias de hoje. Tudo começou com um teste de segurança (irónico, não?) realizado sem os requisitos mínimos cumpridos. Quem diria que funcionários de uma Central Nuclear seriam desprovidos de prudência? Por tal, pagaram um preço elevado e cobraram-no a muitos inocentes. Um fenómeno desta dimensão afetou o solo, o ar, a água, os animais, as pessoas… a vida no geral. Os casos de cancro aumentaram e várias mulheres deram à luz bebés com deformações. Três décadas depois, ainda não se sabe o número exato de fatalidades.  

O mais curioso em todo o enredo é a forma como até algo tão grave como uma catástrofe nuclear pode ter por detrás interesses ocultos. Parece impensável, mas é a verdade nua e crua, agora desvendada pela HBO. 

Artigo revisto por Lurdes Pereira

AUTORIA

+ artigos