Como escrever um bom argumento
Editora de argumento na produtora britânica de séries televisivas Mainstreet Pictures, atualmente a trabalhar especificamente na soap opera EastEnders, da BBC1, Charlotte Essex é também argumentista e dramaturga. Esteve anteriormente, como editora de argumento, por quatro anos na produtora Company Pictures, onde trabalhou nas séries The Runaway, da Sky One, Wild at Heart, da ITV1, e The Silence, da BBC1. Nasceu em Londres, onde vive; mas veio à Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), convidada para a conferência de inauguração do segundo período da pós-graduação em Storytelling.
Durante a conversa, a oradora explicou o papel da sua profissão na indústria televisiva – colabora com a autora ou o autor para aperfeiçoar a história, de modo a contá-la na sua melhor versão. Também analisou com a plateia algumas peças de vídeo, tendo em conta as técnicas nelas usadas para fortalecer a ligação entre a audiência e a história. Entre os vários conselhos que deu, acentuou a importância de se “contar as histórias da forma mais económica possível”, de se narrar o passado das personagens apenas se isso impactuar o presente e de se ter em conta que “é melhor deixar uma espectadora confusa por dez minutos do que aborrecida por um”.
ESCS MAGAZINE (EM): Quando lê um argumento, como sabe se ele é bom?
Charlotte Essex (CE): Pode ser uma linha de diálogo que me faça pensar “Oh, wow, isso é mesmo brilhante”, ou pode ser uma indicação de cenário, que encapsula um sentimento, um tom ou uma ação. Podem ser também as entrelinhas entre o que uma personagem está a fazer versus o que ela está a dizer. Por exemplo: se uma mulher está a dar um beijo ao marido despedindo-se dele, mas está a apertar o pulso, e este tem as veias bem marcadas, a entrelinha é que ela está chateada com ele, mas a sua ação está a contradizer isso. Até pode ser uma personagem que eu nunca tenha visto e que me põe a querer mesmo saber o que lhe acontece; ou pode ser uma história que me desperte curiosidade sobre onde ela irá dar. Pode ser qualquer coisa; e acredito que não se sabe o que é até se o ver.
EM: Quais as melhores dicas para alguém que quer ser argumentista?
CE: Escrever todos os dias, ver imensa televisão e imensos filmes. Ir ao cinema e analisar histórias e como elas são contadas. Basicamente exercitar constantemente o músculo do storytelling. E diria também: ouvir as pessoas – ouvir como as pessoas falam, porque cada pessoa fala de uma forma muito distinta de cada outra; cada pessoa apresentar-se-ia de formas muito variadas, dependendo de como se está a sentir e de quem é. É importante ouvir os tiques das pessoas e a sua linguagem. Em cada conversa, cada personagem traz a sua perspetiva e a sua agenda, e se uma personagem não o faz então ela não está a ser verdadeira consigo própria, e isso consegue identificar-se rapidamente.
EM: O que é mais importante num filme ou numa série – história ou personagem?
CE: Isso é o cenário da galinha e do ovo, e eu diria que são os dois equitativamente importantes, porque para contar uma história mesmo envolvente tem de se ter uma personagem que seja a mais adequada para contar aquela história, e ao mesmo tempo é só a partir da personagem que a história será assim tão envolvente, devido a como a personagem é. Cada cena tem de ajudar a progredir a história ou a personagem, mas idealmente os dois.
EM: Quando está a pensar no que escrever, pensa primeiro na história ou numa personagem?
CE: Tenho a maioria das minhas ideias no duche, porque é um ótimo sítio para pensar. Pode começar com uma relação, por exemplo. Agora estou a escrever algo sobre umas irmãs, e essa ideia surgiu-me no duche. Eu pensei no que poderia acontecer quando há uma irmã muito dominante e outra muito submissa mas que já não consegue aguentar mais. Foi só nisso em que pensei; mas foi o germinar de algo: depois começa-se a pensar em quem são aquelas personagens e numa situação dramática que possa ser adequada para elas. Outra ideia que tive no duche foi sobre um evento – imaginei uma mulher condutora de carros de corrida que ganhara o campeonato do mundo. Isso foi o evento, mas ele levou-me à personagem. Ela tem algo de peculiar, porque é uma mulher, e não vemos filmes sobre mulheres condutoras vencedoras, infelizmente.
EM: A arte, em geral e particularmente o cinema e a televisão, deve ter algum significado crítico?
CE: Acho que todos os melhores trabalhos são os que têm algo a dizer sobre a sociedade em que vivemos. Por exemplo, ao utilizar uma mulher condutora que vence campeonatos, aquilo sobre que estou na verdade a escrever é desigualdade de género.
EM: Há quem diga o contrário – que a arte não tem de ter uma mensagem maior mas que apenas necessita de ser bela ou de entreter. É verdade?
CE: Quando se conta uma história, pode colocar-se a audiência a pensar sobre certo assunto ao entretê-la. É através do entretenimento que se consegue passar uma mensagem. Por exemplo, na série Mad Men: a história é sobre um homem que pretende ser bem sucedido na área da publicidade, mas o que a série realmente trata é a desigualdade de género. Tem lugar nos anos 60, porque era uma altura muito sexista, em que as mulheres estavam a ainda entrar no mercado de trabalho como secretárias. E, ao colocar a série naquele período, ela comunica que a desigualdade ainda existe atualmente. É uma forma de nos mostrar como a sociedade é. Algumas pessoas não veem isso, apenas veem a história – ela pode ser desfrutada em vários níveis.