Música

David Bowie: Chamaeleonidae

Por vezes apelidado de ‘Camaleão do Rock’, David Bowie inovou a todos os níveis. Sempre afirmou ser, antes de mais, escritor e ator. Desinteressado da fama, dos palcos e das roupas excêntricas, entrou no mundo da música. Começou apenas com a parcimoniosa ambição de compor músicas para outros interpretarem. No entanto, como sabemos, acabou por ter a fama, os palcos e, sobretudo, as roupas excêntricas. 

Com um estilo provocador e arrojado, Bowie criou diferentes personas e, desde os anos 70, deu-lhes vida em palco, sem qualquer comedimento. 

Ziggy Stardust 

Embora seja possível e válido argumentar que Major Tom, personagem do videoclipe de Space Oddity de 1969, apareceu primeiro, Ziggy Stardust é oficialmente a primeira personagem principal de Bowie, de onde originaram tantas outras. Major Tom é um astronauta que parte numa missão sozinho, perde o contacto com a Terra e pede ao “ground control” que diga à sua mulher que ele a ama. Por essa razão, Space Oddity foi uma das músicas escolhidas pela BBC para acompanhar a aterragem do Apolo 11 na lua. A importância da música trazida por esta personagem é inegável, mas a doutrina diverge e, para esse efeito, vou focar na que me parece mais interessante: Ziggy Stardust.

A personagem andrógina, que não se sabe ao certo se é da Terra ou de Marte, surge no álbum The Rise And Fall Of Ziggy Stardust And The Spiders From Mars como uma espécie de mensageiro de extraterrestres.                                                                                    

A música Five Years, que abre o álbum, aborda  a iminente destruição da Terra em cinco anos, quando os seus recursos naturais se esgotam. O narrador desce à Terra e transmite o que o alienígena observa. Ainda não tinha mencionado, mas este álbum é de 1972. É quase ridículo tentar explicar o porquê de estar muito à frente do seu tempo. À frente do nosso tempo.

A personagem ergue-se sob a necessidade constante de Bowie se reinventar num novo ser. A fluidez de género e sexualidade do cantor vêem-se aqui representadas. Sobre as várias contradições em declarações em relação à sua orientação sexual, o biógrafo David Buckley escreveu que “Bowie nutria mais uma compulsão pelo desrespeito aos códigos morais do que um verdadeiro estado biológico e psicológico de ser”. Nunca saberemos ao certo, mas quando David Bowie morreu em 2016, muitos fãs e artistas prestaram o seu respeito, em retrospetiva à influência que teve nas suas vidas e na cultura queer mainstream, particularmente nos anos 70.

Fonte: FirstCuriosity

A todos os níveis, Ziggy Stardust foi uma inspiração artística e uma declaração política, atingindo o cerne da cultura popular. Através da música, a descrição do caos e o desespero crescente na voz de Bowie constroem esta atmosfera de crítica niilista.

Aladdin Sane 

Fonte: David Bowie Wiki 

Aladdin Sane foi o sexto álbum de Bowie, associado a uma personagem homónima. É um jogo de palavras que encobre a expressão ‘a lad insane’ (um rapaz louco).  A interpretação mais recorrente é a de que conta a história do seu meio-irmão, Terry Jones, diagnosticado com esquizofrenia. Terry passou vários anos perigosamente dentro e fora de hospitais psiquiátricos, até cometer suicídio em 1986. Várias músicas de Bowie, desde All You Pretty Things a Jump, They Say, contêm lembranças do seu irmão e das suas visões.

Musicalmente, o disco parecia prestar homenagem aos Rolling Stones através do cover da canção Let’s Spend The Night Together, mas sempre com um toque mais glam-rock característico.

Halloween Jack 

O Halloween Jack aparece posteriormente no disco Diamond Dogs. De certa forma, Ziggy Stardust, Aladdin Sane Diamond Dogs poderiam formar uma trilogia – a rock opera do fim do mundo. Ziggy Stardust retrata a desgraça iminente do fim do mundo, Aladdin Sane faz referência a um mundo devastado pela guerra e Diamond Dogs é a sociedade distópica que daí advém. Originalmente, o álbum seria uma adaptação musical de 1984, de George Orwell, mas Bowie não conseguiu a permissão para avançar e alicerçar a sua distopia a uma das obras mais aclamadas no mundo literário. Essa “nega” não impediu o seu espírito rebelde de lançar a música 1984, incluída no álbum.

Fonte: cokewest

The Thin White Duke

Fonte: Flickr

O Thin White Duke foi influenciado pelo soul americano, funk e dance music. Bowie sabia que muitos o criticariam por ser um branco que toca música negra, portanto, teve de abordá-la com uma dose de ironia.A personagem Thin White Duke surgiu em 1976, com o álbum Station to Station. Nessa altura, a personagem tornou-se muito mais sombria e misantropa. Relações com o fascismo eram especuladas por parte do público, compreensivelmente devido ao seu nome e a um suposto fascínio por Adolf Hitler. Há que distinguir, não a obra do artista, mas a personagem do artista.

Qual Fernando Pessoa qual quê, David Bowie criou heterónimos líricos e performativos, que juntou, brilhantemente, a uma nova forma de expressão criativa. Não conseguindo mencionar todas as suas personagens, deixo um pequeno registo de uma ínfima parte da sua criação musical. Talvez um dia fale sobre o resto: o  teatro, o cinema, o olho de cor diferente.

Fonte da capa: El Mundo

Artigo revisto por Leonor Almeida

AUTORIA

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A Joana acha que é demasiado nova para ter uma biografia. Tem 19 anos, estuda Jornalismo e vem de Torres Novas. Não, não é a cidade do Carnaval. Nem a das bifanas. A Joana fica irritada quando confundem. Às vezes também lhe chamam Inês. Na ESCS Magazine espera que não tenham feito confusão, porque o que queria mesmo era escrever sobre desporto. Ora bolas, aconteceu outra vez. Lá terá de ser música.