Deus teve uma trombose e caiu para o lado
Nos últimos dois meses, dois mortíferos ataques terroristas marcaram o panorama mundial, sobretudo o árabe. No dia 14 de outubro, foi na capital da Somália, Mogadiscio. 358 pessoas morreram, mais de 400 ficaram feridas. No passado dia 17 de novembro, foi perto da localidade de Bir al-Abed, na turbulenta região do Sinai, no Egipto. Pelo menos 300 pessoas morreram, e no mínimo 120 ficaram feridas. Umas naifadas no Chiado ou em Picadilly eram quase motivo para, 10 minutos depois, estarem todos os órgãos de comunicação social preparados para descrever a carnificina. Vidas perder-se-iam, e não se metem duas vidas numa balança, por princípio, mas uma é uma palmada na nádega e a outra é um terramoto. Se algo do género acontecesse em Portugal ou em qualquer país ocidental ficaríamos sem papel higiénico e fraldas porque era tudo a borrar-se e sem querer sair de casa.
No dia 1 de outubro, ocorreu o pior ataque terrorista desde o 11 de setembro nos Estados Unidos, num tiroteio em Las Vegas, que vitimou 58 pessoas e feriu 546. Ou seja, foi um ataque quase tão mortífero quanto os de Mogadiscio e Sinai. A diferença está na resposta do público em geral. Uns fazem vigílias, outros asseguram-se de que os seus “pensamentos” e “orações” chegam às vítimas e famílias. Há quem se esforce para trazer à baila a questão da posse de armas, mas isso não interessa, não é? De que é que servem as vigílias e as orações a não ser como forma de virtue signalling? Ser religioso não é uma virtude: não fiz de alguém má pessoa a priori, mas há coisas que ajudam a que isso aconteça.
Como deu para perceber, não acredito em religião, ou em nenhum Deus. Nem é uma questão de não acreditar: não existe. É uma forma de justificar aquilo que desconhecemos e foge do nosso controlo. É uma construção mental. Tudo acontece por uma razão, mas as trovoadas não são causadas pelo mau bowling de São Pedro, apesar de ser uma boa metáfora. Sucumbamos perante essa tentação intelectualmente preguiçosa e falaciosa e de repente estamos à espera que o Todo-Poderoso faça cocó por nós, especialmente aqueles que custam mais a sair, ou para sair da cama, ou para comer a sopinha, etc. O filósofo grego Epicuro resume bem a questão de Deus:
“Is God willing to prevent evil, but not able? Then he is not omnipotent.
Is he able, but not willing? Then he is malevolent.
Is he both able and willing? Then whence cometh evil?
Is he neither able nor willing? Then why call him God?”
Para além disso, as mesmas pessoas que se queixaram da fraca cobertura dos atentados no Egipto e na Somália – a comunidade muçulmana – vieram queixar-se, no fim de semana, da iniciativa levada a cabo por Arsenal e Chelsea, dois dos maiores clubes de futebol de Inglaterra e com muitos fãs muçulmanos, tanto por serem ingleses como por jogaram na liga mais mediática do planeta. Nas respetivas contas de Twitter, foram colocados fundos com a bandeira arco-íris, símbolo LGBT. Não demorou até que chovessem comentários inflamatórios na rede social.
Eu não quero com isto dizer que alguém é pior pessoa por ser religioso ou por escolher acreditar num Deus, mas acreditar em coisas que impedem outros de viver em liberdade e de fazer aquilo que bem lhes apetece é estúpido e tudo menos moral, apesar de haver quem ache que a moralidade provém da religião. Independentemente do Deus em que acreditamos, não houve nenhum que impedisse algum conflito que fosse. A Bíblia é um livro de ficção, equiparado a um Senhor dos Anéis e Guerra dos Tronos, mas levado a um extremo inexplicável. Não podemos unir-nos em torno de uma figura que, de forma unânime, contribuiu para a felicidade de um povo (Éder)?
Com isto quero dizer que não vale de nada rezar e orar ou rogar pragas ou chorar por vítimas só porque dá a ideia de que sou muito bondoso. É preciso ação e tomar medidas concretas que, efetivamente, visam melhorar o nosso bem estar e impedir estes desanuvios de dementes mentais. Por outras palavras, é preciso rebentar com eles todos. Não é com Avé-Marias que se vai lá.