DJ A Boy Named Sue
O Dj A boy named Sue é provavelmente o mais icónico e versátil Dj do mundo do rock’n’roll em Portugal. Braço direito de Paulo Furtado (The Legendary Tigerman) nos seus vários projetos, há 15 anos que agita as pistas de dança por todo o país nos mais variados eventos e festivais. Já fez a primeira parte dos Jon Spencer Blues Explosion numa tour em Itália, já passou música no Festival de Cannes, em Oslo, Madrid, Marselha e Macau. Tem um programa de rádio há 12 anos na Rádio Universidade de Coimbra. Em 2016 lançou-se numa tour em Portugal, e o resultado são quatro meses sem uma única noite de fim de semana livre.
A boy named Sue esteve à conversa com a ESCS MAGAZINE e contou-nos o que é ser Dj e o que sente quando o público vibra com os discos que gira.
Como surgiu o teu interesse por uma carreira como Dj?
Acho que foi um bocado por acaso ou mais por necessidade. Quando era mais novo não estava satisfeito com a oferta musical da noite de Coimbra, que era onde vivia na altura. Por isso, resolvi começar a criar noites com temáticas específicas onde as pessoas se podiam identificar também com os meus gostos e com sonoridades um bocadinho alternativas, e assim podiam ir, divertir-se e dançar. Depois acho que a coisa foi crescendo, passou de uma brincadeira (comecei com 20 cds e 20 lps na primeira festa que fiz) e fui percebendo que tinha algum jeito para encaixar e selecionar músicas. E, pronto, foi até aos dias de hoje.
Quais são as tuas principais influências musicais?
Isso é uma pergunta muito complicada, porque eu gosto de quase tudo. Costumo dizer rock’n’ roll no seu sentido mais lato, mas eu comecei a ouvir punk hardcore quando era mais novo e depois fui tentar perceber de onde vinha o punk hardcore e percebi que vinha dos anos 70. Depois comecei a descobrir que aquele vinha dos anos 60, o rock’n’roll e o soul vinham dos anos 50, depois descobri o jazz, o blues. Ou seja, eu gosto muito de muitos estilos musicais e tento sempre manter um pezinho no que se vai fazendo nos dias de hoje, aquilo que é novo. E, por outro lado, tenho amigos que são Dj’s de techno, electro, house, drum’n’bass e acho que isso de alguma maneira também influencia uma pessoa. Não é só as músicas de que tu gostas ou que tu ouves mais regularmente mas também o tomares contacto com outros universos e outros mundos musicais também te ajuda a formar-te.
Na tua opinião, achas que dá para fazer carreira como Dj em Portugal?
Eu estou a tentar fazê-lo. A minha profissão principal é trabalhar com o Legendary Tigerman, mas de tempos a tempos tenho períodos em que não há concertos. Eu basicamente este ano estou a viver única e exclusivamente da música e de ser Dj. Como costumo dizer, não ando de limusina, mas consigo pagar as minhas contas e comprar uns discos de vez em quando.
E achas que há público para aquilo que fazes?
Acho que sim. Aliás, eu acho que, apesar de o Dj de rock’n’roll ser uma coisa nova no mundo musical, se há um Paredes de Coura esgotado, que não é eletrónica, é rock, indie, pop; se tens os Black Keys, que esgotam um Pavilhão Atlântico – eram uma banda de garagem –, a partir desse momento tens massas que gostam do rock‘n’roll. E, se há massas que gostam destas músicas, essas massas são o público dos Dj’s que passam essas músicas. Por isso, acho que sim, acho que há público. E cada vez mais digo que as pessoas precisam de refrães, de músicas com que se identificar. E o rock e o pop, em formato de canção, com todo o respeito pela música eletrónica, é isso que fazem.
Qual é o teu amor pelos discos que passas, tens ou vais comprando?
Cada disco, às vezes, tem uma história. Desde aquele disco que te ofereceram uma vez nos anos àquele disco que encontraste numa feira no meio de França e até àquele single maravilhoso que compraste numa feira nas Caldas da Rainha quando lá foste passar músicas. Eu acho que uma pessoa vai ganhando afinidades e depois tem a ver com momentos das vidas das pessoas. Por exemplo, eu tenho discos que estão num estado lastimável, estragados, usados (eu acho que os discos são para se ouvir, como os livros são para se folhear; não é para estarem numa estante todos bonitinhos e imaculados porque é uma edição toda “xpto” dos anos 60 que vale não sei quantos mil euros no ebay) e já cheguei ao ponto de encomendar outro. Mas eu, às vezes, olho com muito carinho para um disco e penso “bolas, este disco já fez dançar tanta gente em tantas festas” que dá quase vontade de o abraçar porque já me acompanha há muito tempo. E isso é uma boa sensação.
Como foi fazer a tournée com Jon Spencer Blues Explosion e atuar no Festival de Cannes e em Oslo?
Isso foram coisas diferentes. Em Oslo, fiz uma mini tour: tive dez dias e passei música seis noites numa série de bares em Oslo. Foi muito bom, porque é uma cidade que uma pessoa não conhece, um modo de vida e de estar completamente diferentes e eu fui tentar fazer a minha coisa lá. Isso foi extremamente gratificante. Chegaram-me a dizer “tens de começar a ser um regular aqui” e “bolas, nunca vi este bar com toda a gente tão histérica e louca a dançar como hoje”. E isso foi muito bom.
No Festival de Cannes, fui através do Rodrigo Areias, que apresentava um filme nesse ano. Havia uma festa numa praia, uma festa oficial, que tinha a ver com esse filme e com outro, e eu fui passar música. E também foi bom porque comecei assim com um soul e umas coisas mais calminhas e as pessoas quando deram por elas estavam a dançar freneticamente Stephen Berg. É um orgulho fazer parte de um evento como o Festival de Cannes.
Com o Jon Spencer foi algo muito interessante, talvez dos pontos mais altos da minha carreira como Dj. Ele vinha tocar ao Porto e não tinha primeira banda. Tentou falar com o Tigerman, mas ele não estava disponível para tocar. Como eu já conhecia o Jon há uma série de anos, já me tinha visto passar música uma série de vezes, ele perguntou se o A boy named Sue estava disponível e lá fui eu fazer a primeira parte como se fosse uma banda. E ele gostou tanto que me levou a seguir para uma tour em Itália.
Foi muito bonito, porque nós escolhemos uma música para fazer uma transição do meu set para eles. Eu punha aquela música, eles entravam em palco, começavam a tocar por cima da música, a acompanhá-la, e eu depois fazia um fade out, baixava um bocadinho, e de repente começava o concerto. Ou seja, havia uma simbiose. Parecia que fazíamos parte do mesmo act. Até houve sítios em que os promotores tinham uma primeira banda e o Jon dizia: “Nós começamos às 23h, então essa banda acaba às 22h, porque eu quero uma hora do “A boy named sue” antes de nós, dê por onde der”. E teres alguém como ele a dizer isto é gratificante. É um orgulho.
E das experiências/tours que já tiveste/fizeste de quais é que gostaste mais?
Eu acho que a de que gostei mais foi mesmo essa de Itália. Até porque fiz Itália toda de comboio com o manager italiano dos Blues Explosion. Eles levaram o meu material e os meus discos na carrinha deles. Foi muito interessante. Foi diferente estares a fazer aquilo; seres tratado como uma banda. Acho que foi mesmo das coisas mais interessantes que fiz. Obviamente que também o que tenho andando a fazer, cada vez mais em Portugal, é uma das coisas mais interessantes, que é estar a levar o meu rock’n’roll, a minha festa e a minha maneira de ver a música, fazendo as pessoas dançar e divertir-se, a todas as cidades, desde Évora a Lagos, a Paredes de Coura, a Ovar, tudo quanto é sítio em Portugal.
Porquê a escolha da música “A boy named sue” de Johnny Cash para o teu nome como Dj?
É uma música da qual gosto muito e tem uma história muito interessante. A letra fala de um rapaz que o pai batizou com um nome de mulher e abandonou. Depois o tal rapaz teve de viver com o nome de mulher e odiava o pai. E um dia encontraram-se. Ele queria matar o pai, mas este disse-lhe: “Eu dei-te este nome porque sabia que não ia estar ao pé de ti para te educar e fazer de ti um homem e o facto de teres este nome é que te tornou um homem com ‘tomates’, capaz de enfrentar todas as dificuldades da vida”. E eu tiro mais ou menos daí a ideia de usares as adversidades para viveres e tornares-te mais forte. É por aí que eu acho que se tem uma maneira diferente de olhar para a vida.
O que é para ti ser Dj? Qual é o sentimento que tens quando passas uma música ou várias e as pessoas se divertem e estão eufóricas?
Eu acho que Dj, para mim, é um misto de duas coisas: por um lado, acima de tudo, eu estou a “prender” as pessoas e a diverti-las, mas, por outro lado, eu tenho uma personalidade própria e também não lhes posso dar só o que elas querem, também tenho de lhes dar o que elas não sabem que querem. Ou seja, o objetivo é fazê-las dançar músicas que não conhecem, dar-lhes a conhecer músicas durante a noite, dar um bocadinho de cultura. Aliás, eu tenho a questão da televisão de madeira onde ponho as capas dos discos e as pessoas podem ver a capa do disco que está a tocar. E isso é uma maneira de estar a mostrar coisas às pessoas.
Uma maneira de ilustrar?
Sim, tem os dois aspetos: tem o lado ilustrativo e de mostrar o hardcore dos lps, que é muito bonito. Depois tens o lado de dares cultura. As pessoas pensarem que detestam uma banda e de repente estarem a dançar essa banda, porque só conheciam uma música ou duas. Ou às vezes estar a mostrar o original duma música muito conhecida. E, pronto, tem um bocado a ver com isso.
És considerado um dos mais icónicos Dj’s do mundo do rock’n’roll em Portugal. O que significa isso para ti? Como encaras este título?
É algo que eu tenho vindo a construir. Faz este ano 15 anos que comecei a passar música. Acho que tem a ver com a maneira e o gosto com que o faço, com o cuidado que tenho em “ler” as pessoas, com o cuidado que tenho em adaptar-me aos sítios. Eu tenho consciência de que há muitos bons Dj’s de rock’n’roll . Só que eu depois tenho a parte da televisão, a parte das projeções e tenho um jogo de cintura musical bastante grande. Ou seja, eu consigo passar música numa festa gótica, consigo passar música numa festa rockabilly, consigo passar música à tarde para cocktails, consigo passar música no Music Box num baile “tropicante”, no Incógnito, ao fazer uma coisa mais indie – e numa noite minha misturar isso tudo e agradar. E acho que isso poderá ter um bocado a ver, por um lado, com a minha personagem e a minha versatilidade, e com o facto de eu conseguir aglomerar num mesmo sítio e agradar a um sem número de pessoas, desde os 20 aos 60 anos, desde um gajo que gosta de drum’n’bass a outro gajo que é “metaleiro”; diferentes estilos estarem a conviver no mesmo sítio e divertirem-se todos na mesma noite. Uma das coisas que um amigo meu me disse há já muitos anos numa festa em Coimbra foi: “Olha, isto não é de nada o meu estilo de música. Mas parabéns, eu estou-me a divertir como o caraças, porque está toda a gente com um sorriso na cara, bem disposta e a dançar”. E isto é talvez dos melhores elogios que se pode receber de alguém que tem um estilo musical muito específico e que se consegue divertir numa festa minha.
Se quiseres saber mais sobre o A boy named Sue podes visitar a sua página de Facebook, onde constam todos os locais onde ele irá estar presente e respetivos dias. E se tiveres curiosidade em ouvir uma das playlists deste Dj podes fazê-lo aqui: Mixcloud