Made in ESCS

Ecologicamente correto, economicamente viável, socialmente justo e culturalmente diverso: será possível nos media?

Defender, favorecer, apoiar, conservar, cuidar… são muitos os sinónimos da palavra sustentare. Do latim à língua portuguesa nada mudou e o objetivo é sustentar os media, em território português.
Numa conferência onde se debateram temas como a fuga de publicidade para novas plataformas internacionais e a concentração de meios, a pergunta que se impôs foi: “Como responder aos desafios dos novos media digitais?”.

 

“Como é que com esta alteração de paradigma, um jornal vai ao fim da rua, mas também ao fim do mundo?”

Foi com esta analogia entre a missão primordial da rádio TSF e a alteração da situação do jornalismo que Francisco Sena Santos, notável jornalista e docente da Escola Superior de Comunicação Social (ESCS) iniciou a sua intervenção enquanto moderador. O autor da crónica Um Dia no Mundo esclareceu que até podemos não trabalhar na comunicação social, mas se refletirmos acerca do tempo que dedicamos a folhear um jornal ou a ver televisão, entenderemos facilmente as transformações que se encontram em curso.

Francisco Sena Santos e António Casanova (GCI-IPL)

“A trincheira do papel está em claro retrocesso, agora estamos na fase da nuvem do digital”, avançou Sena Santos, que encara o futuro com um misto de apreensão e otimismo, ao pensar num antagonismo entre a realidade dos números e a qualidade do jornalismo realizado: “Temos estudos, como o de Thomas Friedman do New York Times, que provam que a tecnologia se encontra quinze anos à frente dos reguladores. No entanto, há jornais que são subscritos por milhares de pessoas e avançam com os conteúdos pagos eficazmente”.

 

“Será que foi a emergência do digital e o negócio baseado nos conteúdos pagos que destruíram os media?”

Jorge Veríssimo, Presidente da ESCS, questionou a audiência acerca da transição do paradigma da comunicação tradicional para o moderno, enfatizando a necessidade de tratar assuntos essenciais como as mudanças sociais e tecnológicas do séc. XXI, a aproximação das instituições de ensino de comunicação à realidade social e o facto do consumo em família e em sociedade ter-se modificado para o consumo centrado no indivíduo.

Jorge Veríssimo (GCI-IPL)

“A discussão é interdisciplinar e tem de ser realizada através de vários prismas, como o dos produtores de conteúdos, o dos media e o dos anunciantes”, referiu Veríssimo, salientando o reposicionamento estratégico dos grupos dos media e lançando o mote para a instalação da preocupação: “Será que os maiores concorrentes são os motores de busca? E qual é o papel do jornalista hoje em dia? Será que o jornalista cidadão ultrapassa-o? Onde estará a diferença entre esses dois?”. A verdade é que pode residir na sabedoria, no domínio dos conhecimentos, no tratamento da informação e em muitos mais elementos, todavia, o conceito de “cidadãos leigos” a participarem de forma ativa no processo de recolha de informação, na sua análise e na consequente formulação de peças jornalísticas desassossega o professor coordenador dos estudos em Publicidade e Marketing e todos os alunos de Jornalismo que se encontravam no Auditório Vítor Macieira.

Elmano Margato (GCI-IPL)

“Garantir a sustentabilidade dos media também é garantir a sustentação da democracia”, rematou Elmano Margato, Presidente do Instituto Politécnico de Lisboa, seguindo a linha de pensamento de Jorge Veríssimo. Do lugar de excelência em que julga que a ESCS se encontra devido “à liberdade de expressão e ao ensino” até à criação de uma opinião pública esclarecida, algo que passa por “ser informado e informar com veracidade”, Margato impulsionou a troca de experiências e crenças entre os oradores presentes.

 

“Se os olhos portugueses estão nas plataformas estrangeiras, a publicidade estará lá fora”

Foi CEO da Optimus, membro da Comissão Executiva da SonaeCom, da SonaeSierra e até passou pelo Conselho de Administração do Público. Hoje, António Casanova é Presidente da Associação Portuguesa de Anunciantes e CEO da Unilever em Portugal e em Espanha, tendo opiniões muito mais controversas que “a publicidade segue o rumo da economia”, o que o levou a ser o protagonista da intervenção mais apupada da conferência com frases como “Há demasiados custos nos media e o facto da RTP ir buscar o dinheiro ao bolso dos contribuintes para a publicidade deve ser discutido” ou “Será que fazer rewind é prejudical para a publicidade? Não, porque o consumidor vai ver a publicidade eventualmente, o que interessa ao anunciante é expor a mensagem”.

Bruno Lima Santos, que iniciou a sua carreira em Portugal como subdiretor de programas na RTP, demonstrou a perspetiva de alguém que atualmente gere a programação da TVI, começando por afirmar que é otimista “mas este momento não é nada fácil, acabando por ser estimulante”. Lima Santos vai ao encontro do ponto de vista de Veríssimo ao mencionar que “a televisão passou de televisão na sala de estar para ser uma plataforma de conteúdos”. Focando-se na importância dos conteúdos, Lima Santos recorreu ao caso da Globoflix, novo serviço de streaming da Globo que competirá com a Netflix, principalmente no mercado da língua portuguesa: “Portugal não tem nada disto. Vemos séries com valor de produção baixo que também prejudicam as audiências pela falta de diversidade”.

 

“Um órgão de comunicação social tem várias dimensões e cada um é diferente”

Para João Epifânio, o tema da diversidade introduzido por Lima Santos prende-se com as vertentes dos media: “Porque são também uma marca, produtores de conteúdos e podem ser de entretenimento ou de informação”. Na perspetiva do administrador da Altice, os órgãos de comunicação têm de possuir uma pluralidade extrema na produção e na distribuição dos conteúdos se quiserem prosperar: “Em França e na Turquia, temos jornais que vão aos vários quadrantes políticos. Aqui, parece que ainda não se interiorizou que a dinâmica do setor está a mudar. A rádio tem sido a única capaz de se reinventar: as marcas da rádio têm presenças muito fortes online, como o programa Manhãs da Comercial, cujos apresentadores se aproximam imenso dos ouvintes”.

Bruno Lima Santos e João Epifânio (GCI-IPL)

“A rádio tem características diferentes dos outros meios e ganhou resiliências”, expressou José Carlos Lourenço, COO (chief operating officer) do Global Media Group, apesar de sentir que este meio não está sustentado como negócio por se deparar com obstáculos como os restantes: “Qualquer dia, tudo será digital e as pessoas nem conduzirão os carros e a rádio tem pouco tempo para se adaptar a esta mudança”, frisou o membro do conselho de administração do grupo que detém a TSF. Lourenço clarificou a sua posição relativamente à imprensa, dizendo que a mesma não consegue contornar a necessidade de acesso rápido às notícias e o imediatismo na sua divulgação pelos meios online: “Quando houve o referendo do Brexit, antes dos jornais fecharem, achava-se que o sim ia ganhar, mas durante a noite o panorama mudou. Ou seja, como é que se combate isto?”.

 

“O nível civilizacional de uma sociedade mede-se muito pela qualidade do seu jornalismo e da sua ficção”

Para Nuno Artur Silva, autor, produtor e administrador cessante da RTP, não é a escassez de tempo que se apresenta como adversidade fulcral mas sim o facto de ainda não termos encontrado mecanismos para garantir a diversidade e a qualidade nos media: “Em Portugal, tivemos momentos de exuberância, como quando apareceu a TV: parecia que a democracia estava saudável e o mercado também, mas a regulação podia ter sido melhor”. O administrador, que tem o pelouro dos conteúdos, está convicto de que há ameaças evidentes ao jornalismo: “nos canais de informação no cabo, os canais estão a seguir-se pelos que estão obcecados pelos assuntos sensacionalistas. Jornalismo é sempre serviço publico quando é bom, mas a diferenca faz-se sentir no alinhamento”, esclarecendo que se há um grande tema e no mesmo dia houver um mais “corriqueiro”, se calhar o canal que faz bom jornalismo escolhe aquele que o faz perder audiências mas que tem mais interesse público que privado.

José Carlos Lourenço, Nuno Artur Silva e Pedro Norton (GCI-IPL)

Viajando até ao universo das séries, Artur Silva transmitiu aquilo que pensa ser o antagonismo cinema/séries: “As séries são, neste momento, o género mais popular e não as produzimos porque o entretenimento era escasso pré-revolução, sendo que quando estávamos preparados para essa abertura ao audiovisual, comprou-se a novela Gabriela. Por outro lado, temos um sistema de cinema quase todo subsidiado que não tem ligação com o mercado”, sendo que a indústria cinematográfica não se uniu à televisiva por achar que esta é comercial e a televisiva não se uniu à cinematográfica por a considerar elitista.
Nuno Artur Silva terminou a sua intervenção ao invocar Salvador Sobral na música, comparando-o com alguém que terá de surgir para que regressemos à essência do jornalismo: “tal como o Salvador fez história por chegar ao festival quando tudo era fogo de artifício e ele era diferente, nós temos de pensar que nos media faz falta voltar às origens”.

 

“Continuo a ser um otimista em relação a este setor”

Admitiu Pedro Norton, que será administrador da Fundação Calouste Gulbenkian até ao ano de 2022. Da reflexão sobre a transformação brutal que ocorre nos media até à meta back to basics, Norton foi claro: “Não é sustentável imaginar que a comunicação social vá continuar com o nível de dependência da publicidade que tem agora, porque os conteúdos pagos são o caminho”.
Norton explicou que não há soluções mágicas: “A publicidade tirou aos leitores, ouvintes, etc. a capacidade de pensar e, no jornalismo, temos de apontar para aquilo que sabemos fazer, isto é, contar boas histórias e fazer bom jornalismo”.

 

“Temos de responder aos desafios dos media digitais com o pessimismo da inteligência e o otimismo da bondade”

Luís Filipe Castro Mendes (GCI-IPL)

Os oradores discutiram se, no fundo, existem órgãos de comunicação totalmente democráticos, contudo, Luís Filipe Castro Mendes apostou numa visão esperançosa: “A iniciativa deste debate é da maior oportunidade, porque se tratou o essencial da sobrevivência dos media democráticos”. Quanto à manutenção e ao crescimento de um jornalismo independente, rigoroso e pluralista, o Ministro da Cultura deu exemplos concretos: “A LUSA e a RTP têm conseguido manter a sustentabilidade e a RTP têm um posicionamento distinto dos privados na cultura e nas artes”.

 

Então, qual será o caminho a seguir para atingir a sustentabilidade nos media? Desde terminar com a estagnação dos meios de comunicação em determinada vertente, passando por novas formas de financiamento (como o crowdfunding), investir no jornalismo de investigação para explicar temas complexos e muitas vezes ocultos a quem se encontra menos elucidado ou aceitar a presença das FAANG (as cinco empresas de tecnologia mais populares: o Facebook, a Apple, a Amazon, o Netflix e a Google) como auxílio e não “presas” inimigas, as hipóteses são muitas. O que não é assim tão imensurável é o tempo que temos para mostrarmos a quem consome os nossos conteúdos que a nossa matéria-prima são os factos: porque, se tal não ocorrer, a falta de sustentabilidade andará de mãos dadas com o descrédito.

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