Falha, mas vive
Ensinam-nos desde sempre a manifestar a felicidade e a ignorar a tristeza. Incentivam a nossa felicidade e festejam as nossas vitórias. Por outro lado, ensinam-nos a ignorar a tristeza e a dor e abafam as nossas derrotas e fragilidades como se fosse errado e fora do comum. Recusamos os sentimentos negativos, porque foi isso que nos ensinaram, levando a que, consequentemente, não saibamos lidar com eles quando, por alguma razão, os experienciamos.
A educação “clássica”, se pudermos designá-la assim, não fornece ferramentas essenciais para aprendermos, desde a mais tenra idade, a lidar com as emoções ou para nos protegermos delas. Recusar ou ignorá-las quando somos pequenas amostras de gente não faz com que elas não existam; o seu efeito é, na verdade, limitador.
A nossa ignorância não foi, certamente, uma ação propositada dos nossos pais para nos deixarem à deriva num mar de tristeza sem uma bóia ou um colete salva-vidas que evitasse o nosso afogamento. Possivelmente, todos os pais acham que devem proteger os seus filhos da realidade mais negativa. Mas lá por fazerem de conta que a tristeza, a dor, a frustração e as derrotas não existem, não significa que, efetivamente, não existam. É como se se estivesse sempre a encenar uma realidade imaginária para fugir à verdadeira. É como se a vida fosse uma peça de teatro constante em que representamos um determinado papel, fingindo sentir algo que não sentimos. Deixar um filho numa bolha que o isola da realidade pode ser, na visão de um pai, a melhor maneira de o proteger. Mas a verdade é que essa é talvez a maior ilusão que pode ter e um dos seus maiores erros.
“Isso já passa”, “não fiques triste. Para a próxima corre melhor”, “chorar é para os fracos”. Estas são algumas das típicas frases que ouvimos como consolo às nossas emoções mais infelizes. Incentivam-nos a ignorá-las, mas elas permanecem lá, reprimidas. Esta forma de educação faz-nos sentir vergonha de sentir este tipo de emoções e de, inevitavelmente, pensar que é totalmente descabido ou errado sentir aquilo. Sentimo-nos fracos.
Ninguém nos ensina que a dor é tão importante quanto a felicidade: se não sentirmos dor, como é que valorizamos aquilo que nos deixa felizes? Se não soubéssemos como magoa perder alguém, como poderíamos saber como é bom voltar a ver alguém de quem temos saudades? Uma emoção compensa a outra.
“Nós temos por natureza o mau hábito de adiar uma cura só porque ela dói”. Acho estas palavras de Raul Minh’Alma bastante sábias quanto à forma como lidamos com as emoções negativas. É como se preferíssemos deixar uma farpa espetada no dedo e sentir todos os dias aquele incómodo suportável a tirá-la e sentir durante uns breves segundos o auge da dor. Preferencialmente, escolhemos ir sofrendo aos poucos, evitando a possibilidade de sofrer tudo de uma só vez, só pelo simples facto de termos medo de sofrer. Acomodamo-nos àquela realidade de meia-tristeza, acabando por confundi-la com uma meia-felicidade, sem perceber o disfarce que as distingue. Se pensarmos numa relação amorosa ou numa amizade tóxica, rapidamente percebemos esta questão. Muitas vezes temos relutância em romper com qualquer relação desta natureza. Será que é por termos mais medo de estarmos sozinhos do que mal-acompanhados?!
A nossa falta de preparação e inexperiência para lidar com o pior leva-nos a evitar a dor, a contornar o fracasso, a evitar falhar e a ignorar a tristeza. No fundo, deixamo-nos andar quando algo não está bem e recusamo-nos a sair da nossa zona de conforto. Assim, arriscamo-nos a ficar numa situação insuficiente por não termos força para arriscar sair e tentar outra.
Temos tendência a fazer ouvidos moucos àquilo que queremos e o medo acaba por tomar a decisão por nós. Estas decisões podem refletir-se em vários momentos da nossa vida: escolhermos uma área que não nos interessa por medo de desiludir os nossos pais ou porque supostamente não tem futuro; deixarmo-nos ficar numa relação que não nos diz nada com medo da solidão ou de mais ninguém nos querer; não mudarmos de emprego, apesar de não estarmos totalmente satisfeitos, porque temos medo de sair da nossa zona de conforto e de não ser tão bons quanto somos naquele em que estamos.
Viver com medo limita-nos. Faz-nos esperar sempre o pior e duvidar de nós. Se semeamos batatas, não podemos esperar colher abóboras. Se nos guiarmos sempre pelo medo, estaremos destinados ao fracasso e, sem dar conta, excluímos a possibilidade de colher sucessos.
Se olharmos para a vida com medo, começamos a viver como se tudo estivesse à nossa espera. Vamos adiando aquilo que queremos fazer por medo de falhar. Deixamos tudo para amanhã na ignorância de que somos donos do tempo. Desengana-te, porque o tempo não espera por ninguém.
Muitos de nós acham que este ano que passou foi uma perda de tempo, mas na verdade foi um abre olhos. Nós é que não o sabemos reconhecer. Ultrapassa-nos esta visão redutora de nós mesmos, porque não queremos ver que a qualquer instante pode ser tarde demais ou até que o próprio tempo se encarrega de nos adiar os planos. A culpa é nossa. Vamos adiando tudo para amanhã, umas vezes por medo, outras vezes por falta de tempo ou coragem, e o tempo esgota-se.
Arrisca mais, sai da tua zona de conforto, faz aquilo que tanto queres, mesmo que haja uma possibilidade de correr mal e de vires a sofrer com isso. São os picos de felicidade e tristeza que nos fazem sentir vivos, tal e qual como os batimentos cardíacos. A felicidade não é permanente, mas a tristeza também não. É como diz o ditado: sempre que se fecha uma porta, abre-se uma janela.
Errar é humano. Aprendemos se tivermos algum termo de comparação. Estamos felizes se soubermos o que é estar triste. Não tenhas medo de não fazer tudo bem à primeira. Falha, mas vive.
Artigo revisto por Lurdes Pereira
AUTORIA
A escrita é uma paixão, um refúgio e a sua forma de se expressar. Observa muito sobre as suas vivências e comportamentos das pessoas e reflete sobre isso. A escrita ajudou-a a superar problemas interiores e o seu desejo é fazer o mesmo com outras pessoas - ser como uma voz amiga. O amor próprio, o empoderamento, a confiança, as fragilidades emocionais e todas as questões do foro mais pessoal são temas privilegiados na sua escrita. É ainda uma RP a tempo inteiro, interessa-se imenso pelo mundo das redes sociais e dançou ballet durante 15 anos. O seu sonho é escrever um livro - um romance.