Música

Fast Eddie Nelson: «O “plantar” na arte não é investir dinheiro, é investir talento.»

Nelson Oliveira, mais conhecido como Fast Eddie Nelson, nasceu no Barreiro em 1974. Deu o seu primeiro concerto aos 15 anos, mas foi durante os anos ’90 que começou a compor, editar e gravar. A sua sonoridade muito própria percorre o blues e o rock. Fast Eddie Nelson aperfeiçoa a música popular norte americana com o auxílio da sua guitarra. Atualmente, prepara-se para lançar um novo álbum que contará com: João Alves, dos Peste e Sida, no baixo; Rui Guerra, dos Quartet of Woah!, nas teclas; e na bateria, o companheiro de longa data, Nuno Carromeu.

O contexto em que tocas é bastante peculiar e também tens uma sonoridade muito própria. Qual foi o teu primeiro contacto com a música?

Acho que foi o mesmo contacto de toda a gente, foi como ouvinte de música. Os meus pais ouviam música em casa. Tenho irmãos mais velhos que ouviam  muita música também e desde miúdo sempre tive uma casa cheia de música. Acho que isso ajudou bastante na altura de decidir que também queria participar nesse mundo, ser músico e tocar. O meu pai também cantava  e sempre tive instrumentos em casa. Não sabia como os tocar, mas inventava uma linguagem, mesmo de miúdo, com os instrumentos e isso foi a génese.

E quando é que começaste mesmo a tocar?

Foi nessa altura. O meu pai tinha uma viola espanhola com cordas de nylon e eu tocava… Lá está, não sabia afinar, tocava, a afinação ia mudando e então eu tinha que tocar as músicas sempre de forma diferente. Andava sempre à procura das notas. Depois houve uma altura em que comecei a ouvir e a comprar discos e a partir daí é que decidi: “Epá, vou aprender a tocar isto, que este método não resulta”.

Quantos anos tinhas no teu primeiro concerto?

Tinha 15 anos. E o cachê foi uma mini e uma sandes de courato, na coletividade Estrela Negra, no Barreiro.

Quando gravaste o teu primeiro disco?

O meu primeiro disco… Nos anos ‘90 tive algumas bandas e era costume na altura gravar maquetes. Gravava-se em cassete, ainda não havia CD’s, nem sequer íamos para estúdio. Havia uns gravadores de pistas da marca Fostex, a malta chamava-lhes os “Fostex“. Era um gravador de quatro pistas que gravava em cassete, mas gravava por pistas. A bateria de um lado com microfone, o baixo no outro, a voz aqui.

Quando surgiram os CD’s tornou-se muito mais fácil porque gravar discos em vinil é, e na altura ainda era muito mais, caro. A tecnologia do CD facilitou porque podíamos gastar o dinheiro no estúdio, mas depois editávamos em CD, que era muito mais barato. Isto foi em 1995, com um grupo que eu tinha que eram os Gasoline e já tínhamos maquetes em cassete, mas fomos para um estúdio a sério e gravámos um álbum à séria. Depois, em vinil, já tinha umas músicas minhas numas coletâneas. Mas só em 2012 é que gravei o primeiro vinil em nome individual e esse foi um momento importante para mim porque os CD’s são uma caixinha de plástico, quando abres o vinil e está lá o teu nome é que tens a sensação: “Agora é que gravei mesmo um disco a sério!”.

As redes sociais hoje em dia têm um papel muito importante na música, na divulgação e partilha de conteúdos. Preferes que a tua música seja partilhada em redes e, portanto, no formato digital ou no formato analógico?

Gosto que as pessoas me comprem discos porque é a maneira que tenho de angariar dinheiro para gravar outros discos, essencialmente é assim que faço. Mas adoro as redes sociais. Quando entrei no mundo da música, nos anos ‘90, não existiam as redes sociais. Se um músico queria divulgar a sua música tinha de ir à rádio ou aos jornais e esperar que os “decisores” destas publicações achassem digno o suficiente de divulgar. Hoje em dia não, divulgas as tuas próprias coisas e chegas às pessoas, que podem decidir se gostam ou não, sem teres um intermediário. Tirando isso, tenho a minha música também no Spotify e nessas plataformas. Como não trabalho com nenhum sistema de management sou eu a fazer esse trabalho. Portanto, as redes sociais para mim são uma ferramenta inestimável.

Achas que o facto de não estares associado a nenhuma editora mainstream condiciona de alguma forma a maneira como fazes a tua música ou que tens mais liberdade por isso mesmo?

Como nunca trabalhei com nenhuma editora grande não sei quais são, e até que ponto é que chegam, essas imposições criativas. No meu caso, tenho liberdade total, mas também corro os riscos todos. Não quer dizer que não estou ligado a editora nenhuma. Faço parcerias e entro em muitas coletâneas. Os discos de vinil que tenho feito ultimamente têm sido com o apoio da Vinil Experience, que é uma loja de discos em Lisboa que gosta de fazer edições. E também com a Raging Planet, que é uma das editoras pequenas que mais edições fazem em Portugal. Portanto, embora não tenha patrões na música, não tenho qualquer problema em trabalhar com esta ou com aquela editora, neste ou naquele projeto.

Os instrumentos que usas são bastante peculiares e no último concerto que vimos estavas a utilizar uma guitarra diferente. Fala-me dessa guitarra.

Essa guitarra é uma Cigar box. É uma caixa de charutos que tem um braço, quatro cordas e toca. Foi feita por um indivíduo do Porto, de uma empresa que é a Lucky Stripes, de propósito para mim. Há muitos desses instrumentos que são só engraçados e bons para pendurar na parede. Aquele soa muito bem então decidi usá-lo porque tem um som peculiar e gosto muito de o tocar.

Já a outra guitarra que costumavas usar, a guitarra metálica, foi a primeira vez que também vi uma do género…

Ah, essa guitarra é uma Ressonator. Essas guitarras foram inventadas no início do seculo XX, nos Estados Unidos, precisamente porque a guitarra acústica é um instrumento que não produz muito som quando combinada com outros instrumentos. E inventaram estas guitarras porque produzem mais som, têm um cone no interior que produz mais música. Mas menos de 10 anos após essa guitarra ter sido inventada a eletricidade chegou e inventaram os amplificadores de guitarras elétricas, perdendo assim o seu propósito. Depois continuou a ser utilizada por músicos de blues e tem sido recuperada ao longo de gerações porque tem um timbre metálico muito bonito.

Apesar de também tocares como One Man Band, tens o hábito de convidar amigos para os concertos e para trabalhos. É fácil trabalhar com amigos?

O mais fácil do mundo é trabalhar com amigos. Por isso é que gosto do facto de teres usado a expressão amigos, porque tenho sempre muitos convidados e até a banda com quem agora tenho tocado é constituída por amigos que convido. “Olha queres vir tocar comigo estas músicas?”, e eles, em geral, dizem que sim. E sim, quando as coisas são feitas assim e toda a gente percebe que são assim… é muito fácil! Quando se faz por amor à música é muito fácil. Claro que as pessoas não têm sempre a disponibilidade de que necessitas, mas com um bocado de jogo de cintura, tudo se consegue. Mas sim, respondendo à tua pergunta: “Muito fácil!”

Entre os vários processos desde a composição até à gravação em estúdio e aos concertos, qual é o que mais aprecias?

Aquele de que gosto mais são os concertos. Eu gosto muito de escrever músicas e o processo de estar a escrever música é como magia. Surge uma ideia, vais atrás da ideia e às vezes é quase a música que se está a escrever a si própria e estás ali a participar um bocadinho. Mas o momento bom é quando levas isso para as pessoas. Gravar discos é importante, também tem o seu “quê” de divertido. Mas é a fase do processo de que gosto menos. Pessoalmente gosto de escrever as canções e depois gosto muito de as atuar ao vivo.

E gravas sempre em estúdio?

Depende… Os estúdios, e principalmente os estúdios bons, não são nada baratos. E, para mim, mais importante do que o estúdio é a pessoa com quem estás a gravar: o engenheiro de som, o técnico de som, o produtor. Têm que ser alguém que sabe o que queres e que te vai ajudar a chegar àquele objetivo, e os bons também se fazem pagar. E depende muito das canções. Primeiro escrevo as canções, depois vou agrupando-as em pastas. “Estas são parecidas, se calhar dão um disco. Aquelas, se calhar, dão um EP. Isto, se calhar, é uma música solta que gravo e ponho só na Internet e não edito em mais lado nenhum”, como já fiz. Depois é que vou decidir o tipo de gravação de  que necessita e se não merecer ir para o estúdio mais caro do país, não vou, como é óbvio. Lá está… Nos anos ‘90 tinhas de ir para um estúdio ou tinhas de ter alguém que tivesse um gravador de pistas minimamente decente. O mais importante disto tudo, e eu acho que sempre foi assim, não é o material, é o Know-how de quem está a fazê-lo. Portanto, hoje em dia já é fácil gravar discos relativamente aceitáveis em casa ou na garagem, desde que saibas o que estás a fazer.

Há muitas músicas que gravas e que não chegam ao público?

Há muitas que ou re-gravo, ou deito fora. E tenho músicas gravadas que nunca mostrei a ninguém. Se calhar porque, às vezes, a ideia que tinha na minha cabeça de como ia ficar não se concretizou e tenho uns “parâmetrozinhos”. Às pessoas que gostam da minha música não lhes vou mostrar aquilo porque acho que não está ao nível do que merecem ouvir.

O Barreiro tem um grande movimento musical. Achas que o facto de seres do Barreiro influencia a forma como fazes a tua música?

Claro, somos um produto do sítio onde vivemos, não é? Não tenho a mínima dúvida disso. Se tivesse nascido noutro sítio ia continuar a ter o gosto pela música, mas se calhar nunca tinha tido as oportunidades que tive para poder continuar. E isso depende muito da existência de  pessoas a fazer a mesma coisa, sítios para ensaiar e os outros projetos da tua terra. A mim influenciaram-me muito. Quando era miúdo cheguei a ver concertos dos “Perspetiva”, que eram uma banda do Barreiro dos anos ‘60/’70, e achava aquilo o máximo! E depois vi os Iberia, nos anos ‘80, e achava aquilo o máximo! Cheguei aos anos ‘90 e foi a minha vez de começar a fazer coisas. E isso para mim é fundamental, haver esse background de bandas no Barreiro.

 

O nome do teu álbum [Roots Run Deep] está, de alguma forma, relacionado com as tuas raízes?

Está, mas está mais relacionado com as raízes da música que ouvi. Independentemente de ser do Barreiro, de Portugal ou do mundo inteiro, está relacionado com a música que fui ouvindo desde miúdo até ao dia em que escrevi aquele disco e o gravei. Tem muito a ver com as várias fases que passei como ouvinte de música e como músico também! Não só os blues, mas também o rock psicadélico. Ouvia muito Jimi Hendrix e Pink Floyd quando tinha 16 ou 17 anos. Essas influências da música estão todas cá dentro, só que não saem quando queres, saem na altura certa. Então comecei a perceber que haviam uma série de músicas que remetiam para um imaginário quase nostálgico, meu, e esse disco foi feito à volta dessa ideia.

Viver da música em Portugal, o que é que tens a dizer sobre isso? É fácil? É complicado?

Acho que é fácil viver para a música em qualquer lado. As pessoas às vezes querem mais uma profissão do que um modo de vida e isso é compreensível. Eu também tenho contas para pagar, mas o problema é quando queres espremer a atividade que fazes por gosto e transformá-la em dinheiro. Acredito que se tiveres talento e te esforçares vais fazer coisas boas. Quando isso é assim, consegues chegar às pessoas e o dinheiro depois aparece, porque as pessoas querem os teus discos e querem ver-te ao vivo. Mas tens de pensar no dinheiro como uma consequência, um subproduto, não como um objetivo. Por isso é que as pessoas que compram uma guitarra de mil euros, um amplificador de cinco mil euros e gravam um disco com trinta mil euros, querem ganhar dinheiro logo no dia a seguir, mas não é assim que funciona. O “plantar” na arte não é investir dinheiro, é investir talento.

Fast Eddie Nelson toca dia 13 de outubro no Indiegente Live, no LAV – Lisboa ao Vivo. O evento tem origem no programa da Antena 3, com o mesmo nome, apresentado por Nuno Calado.

 

Artigo corrigido por: Ângela Cardoso