Gelados, velhinhos e uma peça maravilhosa
Todas as Coisas Maravilhosas é o nome de uma peça de teatro, mas é também umas das categorias na qual se insere a performance do ator Ivo Canelas. Aliás, arrisco-me a dizer que o adjetivo “maravilhoso” não faz jus à interpretação portuguesa de “Every Brilliant Thing”, escrita por Duncan Macmillan. Afinal, não é todos os dias que uma sala de espetáculo se transforma num ginásio especializado em aulas intensivas para os músculos da cara. O público é, no fundo, um grupo de pessoas sentadas em círculo à volta de uma espécie de PT de expressões faciais. Há espaço para tudo, desde o constrangimento inicial, provocado pelo contacto visual entre o ator e os espetadores, passando pelas sobrancelhas erguidas e pelo combate às bochechas flácidas. Além disso, Todas as Coisas Maravilhosas inclui, também, exercícios de cardio – é a única explicação plausível para os efeitos que tem no nosso coração.
É um texto dolorosamente hilariante e agradavelmente depressivo, não fosse esta a reflexão sobre depressão mais cómica de sempre. Uma história enternecedora, que nos é introduzida pela voz de um rapaz de sete anos que cresce, mas continua a saltar à corda, sobretudo com as emoções de quem o vê o crescer. A lista de todas as coisas que fazem a vida valer a pena começa por ser apenas uma tentativa inocente de um rapazinho que quer salvar a sua mãe. Como se a depressão pudesse ser curada com lutas de água, montanhas russas e gelados. A verdade é que não pode, mas a lista não perde o valor por isso, apenas precisa de reinventar o seu propósito.
Ivo Canelas leva-nos de mãos dadas pela vida e não é preciso cenário para sermos completamente transportados. Durante pouco mais de uma hora, um casaco pode ser um cão, uma caneta uma seringa, e uma espectadora uma psicóloga infantil que usa uma meia como fantoche. O elenco vai sendo escolhido, por entre a audiência tímida e completamente envolvida. O resto são palavras bonitas e imaginação, num lugar de nostalgia, amor e no qual o sol brilha todos os dias, mesmo quando chove. Uma peça para os otimistas, os deprimidos e os apaixonados. Uma peça para rir que quase nos faz chorar. Uma peça eximiamente interpretada. Uma peça para além de maravilhosa.
Restam apenas alguns bilhetes para as últimas sessões desta obra de arte absolutamente imperdível, é mesmo aproveitar a oportunidade ir até ao Estúdio Time Out para se ser maravilhado por Todas as Coisas Maravilhosas. Quanto a mim, ainda não recuperei os níveis normais de otimismo e esperança, e ando por aí, à procura de velhinhos simpáticos que não são esquisitos nem cheiram a esquisito, e de cabeleireiros que realmente ouvem como queremos cortar o cabelo. E quando me cruzar com uma árvore, farei questão de a subir, porque se o Ivo Canelas decidiu que nunca se é demasiado velho para o fazer, quem sou eu para contrariar?
Revisto por: Ana Margarida Patinho