IGOR: faixa a faixa do álbum que é uma longa música
IGOR é, antes de tudo o resto, uma ideia executada. Tyler, the Creator apresentou mais uma personagem no mundo musical multifacetado que tem vindo a criar há cerca de dez anos. Em IGOR, o criador Tyler agarra-se a uma onda sonora ao longo de um álbum que funciona como uma longa música. Após ter lançado o álbum Cherry Bomb em 2015 e não obter a resposta que esperava dos fãs, Tyler lançou o aclamado álbum Flower Boy em 2017, que mereceu uma nomeação para Grammy de Melhor Álbum de Rap. Sem medo de mais uma reação confusa a um álbum diferente, Tyler confiou na sua visão artística e avançou com IGOR – o seu primeiro álbum a chegar ao topo da Billboard.
“Don’t go into this expecting any album. Just go, jump into it”, lê-se na imagem partilhada pelo músico nas redes sociais aquando do lançamento do álbum, numa tentativa de limpar a cabeça dos seus ouvintes de qualquer expetativa e apelando ao máximo a que ouvissem o álbum, pelo menos numa primeira audição, na íntegra e sem qualquer distração. Embora pareça extremo, eu percebo e apoio o apelo por causa da harmonia do projeto enquanto um todo e pelas várias ligações e transições entre músicas que não se compreendem de outro modo.
O álbum acompanha uma história – real, fictícia ou com uma pitada de ambas – de amor e desamor, passando pelas várias fases que compõem uma história assim. Ainda que considere o álbum uma única música com diversas variantes, acho que o melhor é analisar música a música, mantendo a sequência narrativa que existe no álbum dividida por estes capítulos e com um olhar atento aos detalhes.
- IGOR’S THEME
O tema de IGOR é a música que passa no início deste filme enquanto o público fica a conhecer a personagem principal. Serve tanto para a personagem como para o álbum em si, porque esta música maioritariamente instrumental marca o passo sonoro que vai acompanhar o resto do álbum.
Sintetizadores pesados por todo o lado, com os ocasionais lasers, e vozes misturadas com os instrumentos – tanto que foi preciso o próprio Tyler dizer que é Lil Uzi Vert a cantar nesta música, de tão distorcida que está a voz dele.
2. EARFQUAKE
Depois do tema de IGOR, que em si já apresenta um tremor de terra sonoro, chega um terramoto literal – ou quase, como passa ligeiramente ao lado em termos gramaticais. EARFQUAKE apresenta uma melodia repetitiva com uma intensidade sentimental que se vai fazer sentir nas músicas seguintes ao mostrar uma forte paixão (“You make my earth quake”) e ao mesmo tempo indícios trágicos (“Cause when it all comes crashing down I’ll need you”). Este último verso em particular abre ligeiramente a porta para melhor compreender quem é IGOR, sendo a primeira de várias manifestações obsessivas ao longo do álbum.
A música conta com um verso de Playboi Carti, que Tyler originalmente tinha visionado para entrar na música November do seu álbum anterior, a cantar num tom agudo que se mistura com o instrumental.
3. I THINK
De repente, é como se eu tivesse acabado de entrar numa discoteca assim que começa a I THINK. Quatro batidas em que se ouve a voz do Tyler a dizer também quatro vezes este mesmo número: “four”. Este “four” surge no seguimento dos últimos versos da música anterior em que Tyler diz lá ao fundo “One, two, three”, mantendo um elo de ligação no seguimento das músicas. Na narrativa do álbum, depois de IGOR sentir um tremor de terra começa a pensar que se está mesmo a apaixonar e que desta vez é a sério.
A batida da música relembra a da música PILOT, no álbum Cherry Bomb, mas com um toque extremamente dançável. Ainda assim, aquilo que a faz sobressair é a ponte que retira a música de uma discoteca, leva-a até um oásis com sons sonhadores de sintetizador antes de voltar à discoteca com a sua batida original.
4. EXACTLY WHAT YOU RUN FROM YOU END UP CHASING
Este interlúdio é exatamente aquilo que o título diz. O ator Jerrod Carmichael aparece no álbum, depois de protagonizar uma conversa com Tyler sobre o álbum Flower Boy, a dizer que é inevitável perseguir e dar tudo aquilo que podemos para obter algo de que anteriormente fugíamos. Por detrás destas palavras ouve-se uma batida simples com uma melodia que se assemelha às notas da música Sometimes, do álbum Flower Boy – também ela um interlúdio.
5. RUNNING OUT OF TIME
“There’s always an obstacle”, diz Jerrod Carmichael a fechar a faixa anterior, e é assim que entramos na música seguinte em que imediatamente IGOR canta qual é esse obstáculo: “Running out of time to make you love me”. A ligação entre as músicas continua e mostra que nada daquilo que Jerrod Carmichael diz no álbum é por acaso.
A música é acompanhada de uma sequência de sons de sintetizador progressivamente mais aguda e depois mais grave, dando a impressão de que se aproxima e de que se afasta do ouvinte várias vezes ao longo de três minutos. Esta escolha vai muito ao encontro da construção da música em si, que em apenas três minutos consegue ter vários momentos mais mexidos e mais calmos.
6. NEW MAGIC WAND
A música abre com Jerrod Carmichael, mais uma vez, a dizer “Sometimes you gotta close a door to open a window” e é essa a introdução para o baixo ressonante que abre esta faixa, uma das mais pesadas do álbum. Por muito que o Tyler diga que está farto de fazer rap, acaba sempre por arranjar forma de incluir uma ou duas músicas (Who dat boy? e I ain’t got time no Flower Boy, por exemplo) em que aproveita para se soltar – e eu agradeço.
Na narrativa do álbum, IGOR fala de fazer desaparecer alguém de cena, deixando transparecer a sua parte obsessiva: “I want a hundred of your time, you’re mine”. A nova varinha mágica é a procura de uma alternativa – o fecho de uma porta para abrir uma janela.
7. A BOY IS A GUN*
Passamos de uma alegada varinha mágica para uma arma. Logo no início, chocando com a energia frenética da música anterior, ouve-se um choro de ajuda: “No, don’t shoot me down”. A metáfora da arma passa para a pessoa em quem ele está interessado ao realçar o perigo que essa pessoa representa. Em simultâneo ouve-se repetidamente a frase “You started with a mere hello”, da sample da música Bound, do grupo Ponderosa Twins Plus One, e vários sons de armas a ser disparadas.
8. PUPPET
A analogia com o poder que a pessoa de quem IGOR gosta exerce sobre ele continua agora sob a forma de uma marioneta. Tyler canta no refrão: “I’m your puppet, you control me, I’m your puppet, I don’t know me”. Depois da participação fugaz de Kanye West na faixa, o instrumental fica ainda mais lento e cria a imagem de que a submissão de IGOR aos seus sentimentos chegou ao fim. Kanye canta ainda “Breathe on a song” antes de surgir uma melodia que se assemelha a uma sirene de ambulância. Jerrod Carmichael termina a música dizendo “But at some point you come to your senses”, reforçando a ideia de que IGOR perdeu os sentidos mas eventualmente irá recuperá-los.
9. WHAT’S GOOD
Eis outra faixa em que Tyler aproveita para fazer música mais agressiva e mostrar o seu lado mais egocêntrico e em controlo de si mesmo após ter tido outrem a controlá-lo como uma marioneta. O verso que melhor representa esta ideia é: “Hard to believe in God when there ain’t no mirrors around”. Apesar de ser a música mais bruta do álbum, tem alguns momentos mais melodiosos e surpreende ao terminar com cerca de meio minuto que parece retirado de um musical, com um leve piano e o rapper slowthai a dizer repetidamente “I see the light!”
Esta luz que IGOR parece ter encontrado vai de encontro às palavras de Jerrod Carmichael que fecham a faixa: “I don’t know what’s harder, letting go or just being okay with it”.
10. GONE, GONE / THANK YOU
Uma batida extremamente alegre adequa-se na perfeição para transmitir o alívio de alguém que diz – ou canta – ter conseguido ultrapassar o amor que antes sentia por outra pessoa. Como todas as décimas faixas nos álbuns de Tyler, esta tem dois títulos e uma mudança de instrumental a meio que a transforma em duas músicas numa. A primeira metade dedica-se à energia de quem se viu livre de um peso emocional, incluindo um belo toque agudo em que se ouve a palavra “gone” cinco vezes ao longo da escala musical – relembrando as harmonias agudas do grupo The Chordettes no início da música Mr. Sandman.
Mais uma vez, são as palavras de Jerrod Carmichael que servem de fio condutor à história contada em IGOR. Após dizer que detesta potencial desperdiçado e que isso esmaga o espírito e a alma a uma pessoa, entra a segunda metade da música. Esta parte representa o agradecimento que IGOR sente em relação àquilo que viveu – não se ficou por algo que poderia ter acontecido – embora confesse não querer voltar a apaixonar-se.
11. I DON’T LOVE YOU ANYMORE
O início desta faixa faz algo marcante, para mim, ao conseguir representar apenas com sons uma imagem de Tyler, ou IGOR, sentado na sua cama com os lençóis por cima da cabeça e com uma lanterna acesa a cantar após uma relação que tanto o afetou, ainda a tentar compreender aquilo que sente e a fazer as pazes com isso.
12. ARE WE STILL FRIENDS?
Com tantos altos e baixos ao longo desta história, esta conclusão em forma de pergunta completa de forma exemplar o álbum. Tyler usa a música Dream, de Al Green, como sample e ambas vão desvanecendo e aparentam terminar a meio antes de regressarem em força. E para um regresso em força não haveria melhor convidado do que Pharrell Williams, uma figura que Tyler sempre admirou, introduzido nesta música com o verso “I don’t wanna end the season on a bad episode”. E não haveria melhor episódio para acabar este álbum.
Artigo revisto por Rita Asseiceiro