Da tela ao ecrã: A influência de Edward Hopper no Cinema
Edward Hopper (1882-1967) foi um dos vultos mais célebres da pintura realista norte-americana. Conhecido pelas suas paisagens urbanas e pela sua relação com a solitude, o pintor nova-iorquino foi, muitas vezes, comparado a Norman Rockwell, pela sua expressão do quotidiano e invocação de sentimentos, como o individualismo ou alienação.
Influenciada, em parte, pela Escola de Ashcan, a obra de Hopper tingiu as telas de um amplo vácuo existencial que imperam sobre um silêncio verdadeiramente arrebatador.
O equilíbrio arquitetónico, os jogos de luzes pontuados por lampiões “tristes e sós” e as personagens cosmopolitas absortas num espaço de alienação e ambígua familiaridade são algumas das características que refletem a ótica cinematográfica na pintura de Hopper. Nas palavras do próprio:
“I don’t feel in the mood for painting, I go to the movies for a week or more. I go on a regular movie binge.”
Edward Hopper
Com o passar do tempo, a relação com o cinema tornou-se recíproca e as suas obras passaram a inserir-se e imperar no paradigma cinematográfico. Atualmente, é impossível enumerar todas as referências fílmicas feitas às obras do pintor norte-americano. Desde o Film Noir às películas de Woody Allen ou Terrence Malick.
A destreza de Hopper foi realmente reconhecida em 1925, com a obra Casa ao lado da Ferrovia, que ilustra uma solene mansão vitoriana, erguida numa encosta irradiada pelos últimos raios de sol e ocupada pelas sombras. Um edifício em forma de interrogação. Parece familiar? Talvez porque a mesma casa foi utilizada como modelo para a casa do infame Norman Bates (Anthony Perkins), do clássico Pyscho, de Alfred Hitchcock.
É importante notar que a relação de Hopper com o “mestre do suspense” não é uma mera opção de pragmatismo estético, mas antes uma forte afinidade estabelecida pelo carácter psicológico da linguagem visual.
Robert F. Boyle, designer de produção de North by Northwest, elogia a capacidade de Hopper em colocar o observador num momento de suspense ou num Penultimate Moment – um mecanismo familiar das narrativas Hitchcockianas. Através deste engenho, a calma das telas de Hopper projeta um profundo sentimento de inquietude. O espectador é forçado a contemplar, a título de curiosidade, a melancolia que assola os instantes antes ou após um grande momento. Muitas vezes, esse instante é indecifrável, o que nos leva a questionar: “será que já aconteceu? Ou está para acontecer?”
Recentemente, pude reencontrar a influência de Hopper no novo Batman (2022), distribuído pela HBO, um filme repleto de pastiche do expressionismo alemão – um movimento que inspirou, igualmente em grande medida, o trabalho do pintor norte-americano -, no qual as silhuetas e as imensidões das sombras conquistam a proporção da tela e os tons gélidos azulados contrastam com pontos de luz quentes, suspensos na obscuridade, como miragens luminosas num deserto de penumbra urbana. Ao deparar-me com o frame do filme, o meu cérebro fez disparar as sinapses reminiscentes. “É o Nighthawks!”, conspirei para comigo.
À semelhança da dupla protagonista/antagonista do filme, Hopper era um espírito introvertido que gostava de contemplar à distância a melancolia alheia. Nunca uma pintura comunicou tanto esse sentimento como Nighthawks, uma imagem silenciosa, repleta de quietude, mas tão pouco parada, que caracteriza um autêntico esboço dos pensamentos das personagens que habitam a tela, isoladas do mundo exterior e presas num aquário de autorreflexão. Tudo isto transforma o óleo sobre a tela numa obra inquieta passível a uma interpretação praticamente audiovisual.
Reencontrar Hopper na sétima arte é tão frequente como voltar ao “bar do costume” e rever um velho amigo que, sempre que tem oportunidade, vai até ao balcão do estabelecimento como se se tratasse do único encosto para descansar os cotovelos.
A relação de Edward Hopper com o cinema recorda-nos que toda a arte é transversal, o verdadeiro carácter artístico decorre de meio para meio de forma fluída e num perpétuo movimento. O contágio da índole artística é inevitável, pois alastra como fogo pelo espírito de quem cria enquanto permanece na memória de quem observa, na esperança de contaminar o espírito curioso e recordá-lo que está condenado à eternidade.
Fonte da capa: Mefics
Artigo revisto por Beatriz Merêncio
AUTORIA
Aluno de mestrado em Audiovisual e Multimédia na ESCS. Trabalhei 1 ano como editor de vídeo e assistente de realização, e embora a paixão se mantenha, em 2020 comecei a expandir conhecimentos para seguir os meus objetivos de escrever guiões e ensinar escrita de argumento. Comecei a trabalhar como estagiário na SP Televisão. Mas foi desde jovem, na paz da Beira Interior, que criei uma grande afinidade por histórias, filmes, artes e cultura.
Adorei