Cinema e Televisão

Manchester by the Sea

Provavelmente poucos conheceriam a localidade de Manchester-by-the-Sea, no Massachusetts, antes do filme de Kenneth Lonergan ter saltado para a ribalta. O que é certo é o nome da pequena vila ficará para sempre na nossa memória, bem guardada no baú “relíquias da Sétima Arte”.
O realizador e argumentista americano apresentou a obra de maior sucesso desde You Can Count On Me, que estreou em 2000 e esteve nomeado para dois Prémios da Academia. Com o seu novo filme, Lonergan viu o painel atribuir-lhe seis nomeações, incluindo o de Melhor Filme, e recebeu duas estatuetas – o de Melhor Argumento Original e o de Melhor Ator, distinguindo a atuação de Casey Affleck, o grande impulsionador da trama.


Todos os referidos prémios foram merecidos e, caso não tivesse concorrido contra Moonlight ou La La Land, poderia ter perfeitamente arrecadado o Óscar de Melhor Filme do Ano. A história procura entrelaçar o público numa corrente de emoções e sentimentos sem filtros, lançando provocações surpreendentes (no bom sentido), que sensibilizam os que veem o filme. Estabelece-se uma conexão imediata com a audiência, que fica impossibilitada de sair da armadilha preparada por Lonergan – o envolvimento emocional com todas as personagens.

É uma boa armadilha, claro está. Quem tem o dom da escrita criativa deve conseguir prender os espetadores através da qualidade do argumento e explorar a aproximação afetiva com os protagonistas. Lonergan desenvolve as personagens de uma forma quase única, utilizando a já bastante técnica da narrativa não linear. Vai buscar acontecimentos do passado que justificam os comportamentos das personagens no presente para além de adornar a envolvente da história com realismo – a postura naturalista dos protagonistas acrescenta autenticidade e permite transpor a barreira da ficção para uma situação perfeitamente verídica. O público entende o caso retratado no filme como suscetível de ocorrer na vida real, o que é muitas vezes esquecido pela audiência durante a sessão. Fica garantida uma explosão de sensações que nos deixam como cúmplices involuntários das personagens, o que fundamenta a aproximação afetiva.


A transcendência em autenticidade e realismo é possível devido a duas situações. A primeira, pelo ritmo lento da narrativa. É certo que filmes com maior fluidez e ação tornam-se mais apelativos e interessantes de se ver, mas esta lentidão é necessária para Manchester by the Sea. A audiência consegue matutar os eventos que pautam a narrativa, sente, de modo figurativo, o peso sombrio que transparece nas personagens nos momentos mais angustiantes e as sensações que lhes percorrem o corpo durante a história.
A segunda deve-se às incríveis performances de Casey Affleck, no papel de Lee Chandler, e de Lucas Hedges e Michelle Williams como Patrick Chandler e Randi, respetivamente. Ambos também foram nomeados para o Óscar de melhor Ator e Atriz num papel secundário.


A química entre tio (Affleck) e sobrinho (Hedges) é um dos pontos fortes do filme e que contribuiu muito no já referido desenvolvimento de personagens e na efetivação da conexão emocional – acaba por se tornar um ponto chave para a conclusão do filme. A audiência é levada a crer que o objetivo principal da trama está assente na relação entre Lee e Patrick Chandler, quando apenas serve de meio (mais um) para solidificar os traços dos protagonistas de modo a legitimar o desenlace da história. O contraste que o protagonista apresenta relativamente às restantes personagens, seja o seu irmão (Kyle Chandler), a sua ex-mulher (Michelle Williams), ou o próprio sobrinho, leva-nos a entender o objetivo principal de Manchester by the Sea. Trata-se de um olhar sobre um homem perdido que lida com várias perdas e tenta encontrar um novo sentido para a vida – mais que a improvável relação paternal entre tio e sobrinho.


Kenneth Lonergan volta a mostrar talento em aproximar a ficção da realidade num drama emocional e verdadeiro. Escrito de forma exímia e com uma realização excecional, Manchester by the Sea constrói-se sobre temáticas duras e sensíveis que ganham uma conotação superior graças a personagens muito bem trabalhadas e um enredo naturalista. Está entre os melhores filmes de 2016.