Literatura

No mês de março voltamos a ver o “Sol…e as Suas Flores”

Quando alguém fala em “Clube do Livro”, lembro-me imediatamente daquelas subscrições que se faziam a revistas, na viragem do milénio. Essa memória vem geralmente acompanhada de uma atividade, muito comum hoje em dia, depois da estreia de mais um episódio da nossa série favorita: aquela conversa coletiva que inclui sempre dois ou três pontos de vista diferentes e que acaba num revirar de olhos, meio simpático, meio “não percebeste nada”. 

Atualmente, a leitura é uma atividade fragmentada, muitas vezes solitária, mas precisa mesmo de ser assim? Não. Aliás, para um bom bibliófilo, nada é mais interessante do que encontrar um bookclub onde, de uma forma muito geração Z, se possa fazer “scroll” pelos comentários e abrir toda uma nova fornada de perspetivas.

É isso que quero trazer aqui à nossa Magazine: o nosso próprio bookclub, onde, se não promover um debate, são dadas dicas e ideias daquilo que podem ler. Porque, mais do que qualquer outra coisa, ninguém merece sentir que quer ler alguma coisa e não saber o quê.

Então, deixem-me explicar-vos as regras deste nosso monopólio dos livros: a cada sexta-feira da primeira semana do mês, eu apresento-vos um livro e um escritor, e, na última quinta-feira de cada mês, fazemos o balanço.

E sendo o mês de março o mês da nossa estreia e, coincidentemente, também o mês da poesia, vamos mergulhar neste género que já caminha pela terra há mais tempo do que aquele que podemos contabilizar. 

Tenho de admitir que a poesia é um género difícil para mim – aquilo a que muitos chamam “leitura de elite” e eu percebo, porque há sempre uma altivez na poesia que nos deixa de pé atrás. No entanto, acho que é possível, nos dias de hoje, desconstruir isso e não estou a desvalorizar os clássicos, nem os nossos grandes poéticos, mas este mês vamos por outra estrada.

Este mês, o livro que trago é poesia para todos e vem embrulhada n’O Sol e As Suas Flores, de Rupi Kaur.

Talvez alguns de vocês conheçam Rupi Kaur de uma situação particular: uma fotografia de uma mulher deitada de costas numa cama, com as calças manchadas de sangue. Foi esse o ponto de partida de Kaur, essa foto de uma pessoa até então anónima, menstruada numa cama que juntou, em 24 horas, 3 milhões de likes – foi o momento de viragem da sua carreira. 

Com 28 anos, nascida em Panjabe, na Índia, Rupi imigrou com os seus pais para o Canadá, quando era ainda uma criança. Os temas que retrata são uma boa montra daquilo que a sua escrita representa: uma desconstrução do que pode ser a poesia. 

Os tópicos que a motivam não são o pão de todos os dias, mas ajudaram muitos a entrar nesta forma de escrever e de ler tão bonita: relações, machismo, feminismo, abuso, maternidade, trauma e amor próprio… E Rupi tem também uma forma particular de se comunicar. A sua escrita mistura palavras, sempre em minúsculas, com desenhos que sugerem uma interpretação maior do que aquela que contém as palavras (uma das coisas bonitas da poesia é que há sempre significado para além daquilo que lemos).

Em “O Sol e As Suas Flores”, Rupi aborda o momento em que termina uma relação (é irónico, depois do fim do mês do amor, falarmos sobre terminar relações) e toda a jornada que envolve esse “colar de cacos” com que é deixada. 

Agora, resta-nos mergulhar nesta narrativa e dar uma oportunidade a um género tantas vezes colocado na prateleira mais alta da estante. Rupi Kaur desconstruiu a poesia – agora está nas nossas mãos. Literalmente. 

Fotografia de capa de Sara Cardoso

Artigo revisto por: Maria Ponce Madeira

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