Novamente, e desta vez com sentimento
E, sem se aperceber, Nick Cave encontrava-se perdido num supermercado. O dia parecia como todos os outros; contudo, o ambiente e as pessoas à sua volta eram diferentes. Normalmente, Cave seria reconhecido pela notoriedade ganha devido à mestria da sua longa e aclamada carreira musical, mas, desta vez, não foi assim: foi confrontado com olhares de empatia, tristeza e afeto. Ninguém o culpava. Alguns de nós já passaram por momentos de severidade. Um acidente grave. A perda do emprego. Uma separação dolorosa. Ou até mesmo a morte de um filho.
All the things we love, we lose, diz-nos Nick na música “Anthrocene”, uma canção tenebrosa, com influências Jazz, que completa o 16º. disco de originais da sua banda The Bad Seeds intitulado Skeleton Tree. A música – como muitas outras neste disco – representa o compositor, de 59 anos, no seu mais vulnerável estado. Aqui, contempla-se o decano da literatura gótica, o mestre do simbolismo e da ironia, desnudando a sua alma como nunca antes.
Apesar de Cave escrever do ponto de vista das personagens de Skeleton Tree – e de fazê-lo de uma maneira segura e fiável -, a dor em cada faixa é inegavelmente e exclusivamente só sua.
No verão passado, morreu Arthur Cave, filho de 15 anos de Nick, ao cair de um penhasco em Brigthon, no Reino Unido, onde a família vive. A angústia, o desespero e a exasperação apoderaram-se do processo criativo da banda, quando esta tinha o suposto último disco quase terminado.
E o plano mudou, o que é compreensível. Foi uma maneira de perseverança. Quem já o entrevistou sabe que Cave é uma pessoa austera, que não gosta de falar da sua privacidade e de explicitar o seu trabalho a partir de si. É óbvio que existe uma componente autobiográfica em tudo o que compõe ou canta, mas escolheu sempre resguardar-se em máscaras ou em grandes temáticas que fizeram parte do seu trabalho lírico: a vida, a morte, a condição humana, o amor, a religião, o sexo.
Agora, coloca-se no foco, exposto como nunca antes registado, para que o mundo consiga ouvir: e ouvimo-lo, só a ele, o que é suficiente.
“Skeleton Tree”, o mais recente álbum de Nick Cave & The Bad Seeds, chegou às lojas dia 9 de setembro
A primeira música, “Jesus Alone”, estabelece um clima atmosférico, ao mesmo tempo pesado e taciturno. A canção é possivelmente das mais diretas que constam neste alinhamento de oito faixas; Nick mantém um tom sereno e baixo até chegar ao refrão: momento em que levanta a sua voz ao apelo do seu filho, With my voice, I am calling you. “Ring of Saturn”, a seguinte, introduz um pouco mais de musicalidade ao ser acompanhada por um ritmo mais frenético, quase influenciado por R&B ou Hip-Hop.
No entanto, “Skeleton Tree” chega ao seu momento mais desesperançado na antepenúltima música, “I Need You”, o segundo single apresentado deste disco. Aqui, a influência Gospel coaduna-se com sintetizadores e percussão para criar um ambiente mais etéreo: I’ll miss you when you’re gone/ I’ll miss you when you’re gone away forever…/Just breathe, just breathe/ I need you.
O aspeto mais surpreendente do álbum é o facto de terminar com um sentimento de esperança. A nona canção que dá nome a este novo trabalho de Nick Cave não só mostra estes arranjos orquestrais – grandes pianos, notas de contrabaixo e guitarras clássicas -, como também desvenda as letras mais claras e promissoras: I called out that nothing is for free/ And it’s all right now. Cave repete estes últimos versos três vezes seguidas, o suficiente até se tornar verdadeiro; ou até se convencer de que é verdadeiro, o que é plausível, pois, se não o fosse, tudo isto seria apenas avassalador.