Literatura

 O 1984 de George Orwell ainda é relevante?

George Orwell, escritor e jornalista, é uma das figuras literárias mais influentes do século XX, um defensor da liberdade humana e um opositor fervoroso do totalitarismo. O seu livro, 1984, descreve um sistema de fiscalização que é inúmeras vezes comparado às nossas democracias capitalistas. De facto, a figura do Big Brother não é assim tão surpreendente, tendo em conta as nossas tecnologias, redes sociais e a vigilância constante. 

“Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força”: são estes os três ilustres slogans do Partido imaginado por George Orwell no livro. 

“Quer escrevesse ABAIXO O GRANDE IRMÃO, quer se coibisse, não fazia diferença. Tanto adiantava que continuasse o diário, como não. Fosse como fosse, a Polícia do Pensamento haveria de o apanhar. Tinha cometido – e teria cometido na mesma, ainda que nunca tivesse pegado na caneta – o crime essencial que continha em si todos os outros. Pensar crime, assim lhe chamavam”

(1984 de George Orwell, página 22)

Apesar de toda a discussão a que assistimos à volta da liberdade de expressão, do que podemos ou não podemos dizer, do que é ou não é ofensivo, punível, liberdade de expressão  ou crime de ódio, não podemos ser julgados sem “pegar na caneta”. Não temos uma “Polícia do Pensamento” que restrinja o que podemos ou não podemos pensar. 

No entanto, embora não tendo o nosso pensamento diretamente policiado, a nossa liberdade de pensamento talvez se encontre enfraquecida por uma sociedade pautada pelas redes sociais. Muitos autores têm apontado para o perigo de se criarem “bolhas de filtro” (filter bubles). Bennet e Pfetsch (2018), em Rethinking Political Communication in a Time of Disrupted Public Spheres, alertam para a criação dessas realidades paralelas online, onde as pessoas se encerram em “bolhas”, resistem ao confronto de opiniões e veem a sua capacidade de validação de informação enfraquecida. Ou seja, os algoritmos das redes sociais recomendam conteúdo relacionado com o que já costumamos consumir. Como tal, ao invés de sermos confrontados com opiniões diferentes, com informação que nos faça refletir e até mesmo pôr em causa o que acreditamos, somos confrontados com opiniões semelhantes que apenas validam o que já pensamos.  

As tecnologias trouxeram-nos, sim, inúmeros ganhos, desde a democratização do conhecimento, da cultura e da informação, à proximidade e facilitação de ligações. Mas, simultaneamente, assistimos a uma visão do mundo homogénea e alinhada, na qual podemos não estar a usufruir da melhor forma da informação infindável e omnipresente que nos é apresentada. Ao mesmo tempo que nos é dado “todo o espaço do mundo” para discutirmos, trocarmos opiniões e discordarmos, a diferença é criticada, punida e rejeitada. 

É por isso que é apontada tantas vezes a importância dos livros, e são criticados tantas vezes os perigos das redes sociais. As redes sociais são um espaço virtual, onde a irrealidade serve as aparências e os pensamentos homogéneos, onde partilhamos o que achamos que vai ser aceite, onde tentamos parecer um pouco melhor do que nós próprios. Os livros, pelo contrário, deixam sempre espaço para interpretações, para leituras diferentes, para analogias e pensamentos discordantes. 

Podemos olhar para o 1984 como uma ótima analogia para 2022 por representar a vigilância constante; podemos olhar para o 1984 como um lembrete da importância da liberdade, como um elogio da diferença, ou podemos olhar para Winston Smith, o protagonista de um mundo onde as pessoas não podem revelar o que realmente pensam, e ver o que não queremos ser. “Ignorância é força”: três palavras que resumem a importância da informação, da liberdade de pensamento e do confronto de opiniões para a democracia.

Fonte da capa: Raquel Almeida

Artigo revisto por Beatriz Merêncio

AUTORIA

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A Raquel sempre gostou de ler e escrever. Apaixonada por livros de distopias, decidiu tirar Filosofia, onde passou 3 anos a refletir sobre ética e questões, na maioria das vezes, sem resposta. A vida trouxe-a ao Jornalismo, um interesse que já tinha há muito tempo, e a sua permanente paixão por livros fê-la entrar em Literatura na ESCS Magazine.