O apagão televisivo
A televisão é, na maioria dos lares portugueses, um bem de primeira necessidade. É certo que a caixa mágica não nos dá de comer à boca. Ainda assim, é difícil concebermos a nossa rotina sem a presença do pequeno ecrã.
Ver televisão não é um hábito tão básico quanto o julgamos ser. Fora dos grandes centros urbanos, ainda há quem só veja 4 canais. Em pleno século XXI, parece que regredimos um par de décadas, quando, de facto, a oferta se limitava a 4 canais. O que é feito, então, do tão apregoado progresso tecnológico?
Façamos um enquadramento para melhor entendermos o cerne da questão. Em 2012, por decisão de uma qualquer mente pseudo-iluminada, a Comissão Europeia decidiu que o sinal analógico televisivo deveria ser desligado. Era então chegada a era da TDT, a Televisão Digital Terrestre. Dito desta forma, parece algo absolutamente extraordinário, mas desenganem-se. Em Portugal, coube à ANACOM a responsabilidade de instalar a infra-estrutura capaz de garantir a transmissão do sinal digital a todo o território nacional. Mas, pelo visto, os planos não correram pelo melhor, isto porque, no meu entender, a migração do analógico para o digital acabou por se reveler um autêntico fiasco. Basta aceder ao site da TDT e comprovar. À pergunta “Como considera a recepção de televisão na sua localidade?”, 44% refere Deficiente, 28% Inexistente e apenas 28% Boa. Resta contabilizar as pessoas que não responderam. Arrisco a dizer que, nesse caso, as percentagens Deficiente e Inexistente seriam bem mais expressivas.
Em abril desse ano, deu-se o switch-off, que é como quem diz, o apagão televisivo. Trocando por miúdos: quem não tivesse um serviço de televisão pago (esses já são digitais), pura e simplesmente deixaria de poder ver televisão. Tal e qual. E assim foi. Note-se que falamos, principalmente, de meios rurais e de uma população envelhecida e sem poder de compra.
O que fazer, então, para continuar a ver televisão? Solução: comprar um aparelhozinho descodificador do sinal digital. Os lesados tiveram assim de desembolsar umas quantas dezenas de euros para verem a sua televisão renascer. Alternativa: aderir a um dos serviços de televisão pagos (e as operadoras a esfregarem as mãos – os bolsos, aliás – de contentamento). Diga-se que muitas foram as pessoas burladas nesta saga. Por ignorância do povo, o discurso nem exigia grande sofisticação. Bastava dizer “só volta a ter televisão se comprar o nosso serviço”. E os coitados lá compravam. É de salientar que o próprio site da TDT é conivente com esta lenga-lenga: “Se não tem televisão paga e não mudar para a TDT, vai deixar de ver esses canais”, lê-se.
Quase 4 anos depois, ainda há muita gente, por esse país fora, que gastou dinheiro mas que continua sem televisão. Basta chover ou estar vento para a emissão pifar. Os sintomas são óbvios: a imagem e o som bloqueiam ao ponto de ser impossível ver televisão.
Não há dúvidas de que as coisas correram mal. Contudo, andamos todos a dormir ou a fingir que dormimos. Quem cala, consente, já dizia o outro. E as operadoras de televisão privadas agradecem, pois está claro. Mas, enquanto cidadão, não compreendo como é que as altas entidades não responsabilizam os meninos da ANACOM por este fiasco. Se somos um país desenvolvido para umas coisas, sejamo-lo para todas.
O Marcos Melo escreve ao abrigo do Antigo Acordo Ortográfico.
AUTORIA
Diz que é o cota da ESCS MAGAZINE. Testemunhou o nascimento do projeto, foi redator na Opinião e, hoje, imagine-se, é editor dessa mesma secção. Recuando no tempo... Diz que chegou à ESCS em 2002, para se licenciar, quatro anos mais tarde, em Audiovisual e Multimédia. Diz que trabalha há nove no Gabinete de Comunicação da ESCS – também é o cota lá do sítio. Diz que também por lá deu uma perninha como professor. Pelo caminho, colecionou duas pós-graduações: uma em Comunicação Audiovisual e Multimédia (2008) e outra em Relações Públicas Estratégicas (2012). Basicamente, vive (n)a ESCS. Por isso, assume-se orgulhosamente escsiano (até ser cota).