Cinema e Televisão

O Clube dos Poetas Mortos: seize the day, boys!

De um ponto de vista leviano, O Clube dos Poetas Mortos trata a irreverência de meia dúzia de jovens habituados a uma educação rígida e tradicional. No entanto, quando prestada a devida (e merecida) atenção, surge como uma homenagem à cultura e, em particular, à poesia. Ora, no passado dia 21 de março, celebrámos o Dia Internacional da Poesia e, claro está, não podíamos deixar passar uma oportunidade de homenagear esta arte tão bonita – e tantas vezes esquecida!

Com a Academia Welton como palco, O Clube dos Poetas Mortos, produzido e dirigido por Peter Weir, trata a história de um grupo de jovens adolescentes submetidos a uma educação conservadora, suportada essencialmente por quatro grandes valores: a tradição, a honra, a disciplina e a excelência. A questionável vida ideal, regrada, monótona e desprovida de liberdade no que ao pensamento diz respeito mantém a ordem de que a Academia Welton tanto se orgulha. Tudo parece exímio, imaculado e estupidamente aborrecido até à chegada do Professor John Keating (Robin Williams), ex-aluno da instituição.

“Seize the day. Because, believe it or not, each and every one of us in this room is one day going to stop breathing, turn cold and die” – é um dos primeiros ensinamentos do Professor que vem revolucionar para sempre a vida dos rapazes da Academia Welton e, provavelmente, a que mais informação denuncia sobre o que estamos prestes a experienciar.

Fonte: Pinterest

Como se de uma autêntica avalanche se tratasse, o peculiar método de ensino de Keating vem questionar todos os ensinamentos que os alunos tomavam como certos e impenetráveis. Para o mais recente Professor de Inglês da Academia Welton, a Literatura não se aprende pelas regras da Literatura, a poesia não se compreende através do estudo da métrica de um poema e a vida não se vive pelas convicções e ideias que nos são impostas.

Na primeira aula, o ex-aluno, agora Professor, incute aos alunos a noção de “carpe diem” e, de forma orgânica e quase subliminar, esta torna-se na ideia-base de todo o filme. Posto isto, todas as obras literárias e poesias lecionadas são minuciosamente escolhidas para despertar emoções e expor diferentes perspetivas.

“Carpe diem. Seize the day, boys. Make your lives extraordinary.” – John Keating

Keating veio questionar tudo aquilo em que os rapazes de Welton acreditavam. Veio acordar interesses, despertar paixões e incendiar dúvidas. Fez das aulas um autêntico espaço seguro, onde a crítica e o debate surgiam como personagens principais. Levou os meninos, de fato e gravata, literalmente para o campo e, para terem lugar no plantel principal, obrigou-os a deixar a inércia do pensamento no banco. At the end of the day, a ideia a reter é a importância das áreas que nos permitem a reflexão e, acima de tudo, que convertem a mera sobrevivência na bonita experiência de viver.

Fonte: Escape Matter

É legítimo que te estejas a perguntar a origem do nome do filme. Ora, sem a intenção de dar spoilers, mas sem qualquer alternativa, O Clube dos Poetas Mortos surge nos documentos relativos aos tempos de aluno do Professor Keating e remete-nos para o clube “secreto” criado pelo ex-aluno e pelos amigos nos seus tempos de jovens apaixonados. Pressionado pelos alunos, o Professor acaba por contar as loucas histórias do Clube e, completamente fascinados pela novidade e ousadia do que ouviam, os alunos decidem recriar o conceito. Romantismos à parte, o “Clube” tinha como abrigo uma antiga gruta e funcionava como uma espécie de safe place para os jovens falarem sobre o que lhes inquietava a mente, para usarem a poesia como arma de engate e para refletirem sobre aquilo que bem lhes apetecesse, sem regras ou imposições à mistura.

Para um colégio que se rege pela disciplina, o imprevisível é uma autêntica ameaça. Como ex-aluno, Keating conhecia as regras do jogo e estava mais do que consciente do poder e impacto do que lecionava. No entanto, talvez não tivesse noção das consequências da liberdade num ambiente em que a repressão está na ordem do dia. Escusado será dizer que a irreverência do Professor e dos alunos não caiu nas graças da Direção da Academia e, consequentemente, dos pais dos jovens adolescentes.

O Clube surge como uma “problemática” a eliminar e todos os interesses que o Professor desperta nos jovens são ignorados e forçosamente descartados. É perigoso despertar o sentido de liberdade e ainda mais perigoso tentar reprimi-lo – e mais não digo!

Apresentações feitas, toda e qualquer informação extra que pudesse revelar sobre esta incrível obra d’arte denunciaria a mensagem e sabotaria o mistério que tão bem caracteriza O Clube dos Poetas Mortos. Resta-me dizer que não é um mero filme sobre adolescentes rebeldes, não é uma representação clichê do que é a poesia e, certamente, não tem o final de que todos estávamos à espera. Antes pelo contrário.

Fonte: The Guardian

Um filme produzido por Peter Weir, que surgiu em plena década de 90 e que prima pela irreverência e ousadia. Fora dele, feriu suscetibilidades e perturbou almas conservadoras. Veio desmistificar a poesia, descomplicar a Literatura e, acima de tudo, personificar o perigo de uma educação que descarta a liberdade.

Numa nota pessoal, admito que é ingrato escrever sobre poesia e garanto que retratar um filme sobre poesia se revelou uma tarefa (ainda) mais complexa. Tal como o Professor Keating afirma (e eu concordo!): não há um ponto de vista ideal e muito menos definitivo. Quando julgamos chegar ao culminar do conhecimento, é preciso repensar e perceber que há muito mais além do que tomamos como certo. Não compreendemos um poema pela sua análise métrica ou literária, mas pela emoção, pela vida do autor e pela forma como encontramos a aplicabilidade do que a poesia nos ensina.

É um atentado à complexidade do filme vê-lo uma única vez para riscar da lista e arrumar na gaveta. O Clube dos Poetas Mortos é uma obra de arte, capaz de se adaptar aos tempos e às vontades de quem tem o privilégio de o viver. É muito mais do que um filme sobre poesia, enquanto se baseia somente na poesia e no impacto que tem (ou deveria ter) na existência da raça humana. Faz-nos valorizar a simples capacidade de raciocinar e agradecer ao Universo ou aos Deuses em que acreditamos (ou não) pela manobra de pensamento e reflexão que atualmente temos à nossa mercê.

De forma simplista, esta produção dos anos 90 é intemporal e, de forma supersticiosa, veio ao mundo com o propósito de ridicularizar a inércia que nos consome (cada vez mais) a alma e, consequentemente, a existência. Somos todos vítimas da lenta extinção da poesia, enquanto, por mais irónico que seja, só ela, enquanto arma cultural, seja capaz de nos salvar.

Captain, my Captain, resta-nos agradecer ao Professor Keating por nos abrir horizontes. Aos alunos, pela ousadia de confiar no poder do pensamento. E a todos os que diariamente lutam por uma cultura livre e, de forma generalista, bastante acessível.

Da minha parte, resta-me recomendar vivamente este Clube fascinante e confessar que a vida antes e depois dele é completamente diferente. O Clube dos Poetas Mortos não deixa ninguém indiferente – e não podia ser de outra forma!

Artigo escrito por Bruna Gonçalves

Artigo revisto por Adriana Alves

Fonte da imagem de destaque: Wallpaper Cave

AUTORIA

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Sou de Sintra, tenho 23 anos e, ao contrário de muitos clichês, nunca sonhei ser jornalista. Escolhi o curso no último dia de inscrições para o ensino superior, meios às cegas, e apaixonei-me pela ESCS desde o primeiro dia. Um belo de um amor à primeira vista, para os mais românticos. Hoje, tenho plena certeza de que o meu futuro passa pela comunicação, seja numa rádio ou numa redação. Na verdade, desde que tenha liberdade para explorar temas e dar asas à minha criatividade, sou feliz!