Cinema e Televisão

Once Upon a Time in the West e a sua importância para a história do cinema – Parte I

Clássico dos westerns americanos com ADN italiano, Once Upon a Time in the West (C´era una Volta il West) é um filme antológico e de análise obrigatória para qualquer pessoa que preze a 7.ª arte. Dirigido por Sérgio Leone, este filme de 1968 conta com Cláudia Cardinale, Henry Fonda, Charles Bronson e Jason Robards no elenco. Mantendo a linha popular e menos intelectualizada dos seus colegas italianos da altura, o filme acabou por ficar creditado como sendo uma história de Bernardo Bertolucci, Dario Argento e Sérgio Leone e com o guião da autoria de Leone e Sérgio Donati. Neste artigo vamo-nos debruçar sobre algumas particularidades desta obra e tentar compreender o porquê da sua importância não só no género, mas na forma de fazer cinema.

Em 1960, Sérgio Leone era mais conhecido por ser o grande diretor dos populares westerns spaghettis tendo realizado a trilogia dos dólares ou trilogia do homem sem nome (A Fistful of Dollars, For a few Dollars More e The Good The Bad and The Ugly) que lançou Clint Eastwood ao estrelato.

O seu fascínio sempre fora pelos westerns, mas Leone não gostava da moral da história destes (a man gotta do what a man gotta do), de maneira que para o seu novo filme ele queria realizar um drama e adotar uma visão mais pessimista do capitalismo – que vai arrasar. Depois de a Paramount oferecer um orçamento de cinco milhões de dólares para tentar demovê-lo de mudar o género e garantir que um dos seus atores preferidos – Henry Fonda – faria parte do elenco, Sérgio Leone acaba por aceitar o projeto.

Um filme antológico para qualquer género em qualquer época

Sérgio Leone sempre teve a preocupação em não fazer filmes herméticos. De facto, para o género no qual se especializou seria impossível fazer, ao contrário dos seus colegas Antonioni, Fellini, Rosselini e Visconti que, na altura, faziam filmes de arte.

Ao mesmo tempo, Leone tinha Ozu e Kurosawa como referências na forma de se esculpir o tempo nos seus filmes, e este é sem dúvida um dos principais legados de Once Upon a Time in The West: as sequências de apresentação das quatro principais personagens são longas (cerca de 15 minutos cada) de tal forma que o corte final tinha quase 3 horas de filme.

Numa perspetiva de análise deste elemento na narrativa, assistimos à dilatação do tempo através da sonoridade do moinho, do zunir da mosca na cara de uma das personagens, da água a pingar no chapéu de outra e dos dedos de um terceiro indivíduo a estalarem. A sonoridade daquela estação de comboios vazia a meio do deserto serve como “pano de fundo” para as ações que irão descrever estas três primeiras personagens do filme.  Assistimos, em suspense, ao líder a encurralar uma mosca com o cano da sua pistola; um segundo elemento a beber a água que pingava no seu chapéu; e um terceiro que se mostra impaciente no seu silêncio. Esta apresentação surge como um prólogo da personagem que virá a seguir, o Harmónica, que, no final desta abertura, percebemos que é a soma das três personagens anteriores. As sequências que apresentam as personagens seguintes são quase curtas-metragens dentro da própria longa, mas esta é a mais antológica de todas: tem como incidente catalisador a chegada dos três bandidos disfarçados com um sobretudo do bando de Cheyenne; a complicação como sendo o momento de espera daquilo que eles esperam e não conhecemos; a crise com a chegada do comboio; o clímax num tiroteio que antecede um dos diálogos mais icónicos da história do cinema:

– Frank?

– Frank sent us.

– Did you bring a horse for me?

– Well, looks like we’re…Looks like we’re shy of one horse.

– You brought two too many.


Fonte: screenrant.com

Na segunda sequência ouvem-se grilos e uma miúda a cantar. Os grilos calam-se e o ambiente fica em suspense até que um solo de guitarra apresenta Frank, o vilão na pele de Henry Fonda, que elimina a família McBain, tendo o seu caráter exposto quando mata um miúdo de 8 anos:

– What are we gonna do with this one, Frank?

– Now that you’ve called me by name…

A terceira sequência, que apresenta Jill McBain – personagem de Cláudia Cardilane -, é onde vemos a magistral sincronia entre a trilha composta por Ennio Morricone – amigo de Sérgio Leone desde os tempos de escola – e o movimento da câmara na grua. É nos apresentada a protagonista a chegar ao oeste e a cidade que está ali a ser criada. Quando o filme foi lançado, até Kubrick quis saber como Leone conseguira a coreografia perfeita entre a música e as imagens, ao que lhe foi dito que a música fora encomendada antes e toda a cena gravada com ela a ser ouvida.

E por último Cheyenne, o bom vilão, personagem de Jason Robards que se encontra fugido depois do seu bando ter sido apanhado numa emboscada tendo ele que se livrar das algemas na mesma taberna onde, naquela altura do filme, se encontram coincidentemente Jill e Harmónica. Só a partir daí é que temos a sensação de que o filme começa.

Por toda esta minúcia, o filme acabou por ser cortado no seu lançamento nos Estados Unidos, ficando com uma história mal montada e, consequentemente, uma bilheteira fraca. Entretanto, aqui na Europa, foi lançado com o corte do diretor e correu tão bem que chegou a estar em cartaz durante quatro anos em França.

Na próxima parte deste artigo, iremos explorar a complexidade da história e o seu legado.

Fonte da capa: fiocondutor.com.pt

Artigo revisto por Miguel Tomás

AUTORIA

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Colecionadora (in)voluntária de diversas experiências de vida, interessada por tudo o que lhe desperte a sede de conhecimento: da literatura ao cinema, da filosofia à psicologia e de como ter uma refeição decente pronta em 10 minutos. Aprendiz no ofício da construção de narrativas, crê que somos o herói da nossa própria história. Promete que quando for crescida terá um perfil ativo nas redes sociais.