“Os 7 de Chicago”: Um retrato do passado para os dias de hoje
De uma maneira muito superficial, Os 7 de Chicago pode ser descrito apenas como um filme que denuncia as corruptas instituições norte-americanas no ano de 1968. Isto porque retrata a história do julgamento enviesado de sete homens ditos responsáveis por um grande protesto a favor do fim da Guerra do Vietname em Chicago, que acabou com confrontos diretos com a polícia, alguns mortos e muitos gravemente feridos. Entretanto, esta visão simplista e tradicional tira toda a profundidade da produção escrita e dirigida por Aaron Sorkin. O filme recente da Netflix, que possui uma pontuação de 7,9 no IMDb, proporciona ao espetador uma experiência sensorial completa, explorando desde a frustração até à animação, instigando também debates acerca de diversos temas extremamente atuais.
No seu segundo filme como diretor, Sorkin não esconde as influências recebidas por A Rede Social: narrativa sobre a criação do Facebook, que lhe concedeu o seu único Oscar na categoria de Melhor Roteiro Adaptado, em 2011. Em ambos os filmes, o roteiro e a montagem são, definitivamente, as peças-chave para todo o bom desenvolvimento da trama e dos atores com as suas respetivas personagens.
A história começa com uma montagem frenética, repleta de informações, do ambiente político e social conturbado e dos principais atores das manifestações: Tom Hayden (Eddie Redmayne), Rennie Davis (Alex Sharp), Abbie Hoffman (Sacha Baron Cohen), Jerry Rubin (Jeremy Strong) e David Dellinger (John Carroll Lynch), juntamente com Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II) – líder dos Black Panther. O desejo pela mudança e pela revolução fica evidente. O plano era irem para Chicago, local onde acontecia a Convenção Nacional Democrata – evento que anunciou a candidatura de Hubert H. Humphrey à presidência –, exigir que o próximo candidato à presidência teria como plano acabar com a guerra.
Contudo, o clima do filme muda drasticamente ao avançarmos no tempo alguns meses, para o dia da primeira sessão no tribunal. Nixon, candidato dos republicanos, já fora eleito e todos os seis homens citados anteriormente, acrescentando John Froines (Danny Flaherty) e Lee Weiner (Noah Robbins), são acusados, pelo Governo dos Estados Unidos, de conspiração e incitação à revolta. O interesse já é plantado tanto em saber o que aconteceu nos dias de revolta, como em qual será o destino deles.
Com diálogos que equilibram muito bem o drama e a comédia, o filme prossegue com sequências acerca do julgamento e com flashbacks que vão mostrando os acontecimentos prévios ao espetador à medida que os factos e assuntos são abordados em tribunal. Esta construção muito inteligente é a principal responsável pela nossa atração para dentro da história, como se estivéssemos a viver o momento como os júris do caso. Todavia, temos o privilégio de ver o que verdadeiramente ocorreu que é quase o oposto do apresentado pela promotoria, formada por Richard Schultz (Joseph Gordon-Levitt) e Thomas Foran (J.C. MacKenzie). A série de acusações falsas e de testemunhos falsos, construídos e manipulados, com a ajuda da própria polícia e do FBI, colocam-nos muito mais na posição dos advogados de defesa, William Kunstler (Mark Rylance) e Leonard Weinglass (Ben Shenkman), que vão percebendo, cada vez mais, a areia movediça em que estão presos.
Como comentado no começo, o filme vem mesmo a revelar a corrupção instaurada no sistema judiciário americano e até mesmo no Governo, mas acredito que a crítica esteja, sim, direcionada para a forma como este tipo de ocorrência é tratada na nossa sociedade.
Os manifestantes e, principalmente, os personagens principais são apresentados como pessoas normais, repletas de problemas, ideais e propósitos. No meio da multidão que gerou tanta confusão, o roteiro explora singularmente as personalidades de cada um dos organizadores e como entre eles não há pleno consenso. Mostra-se como é errada a tendência da nossa sociedade de generalizar manifestantes, participantes políticos – pessoas que defendem causas que consideram maiores do que elas próprias. Da mesma forma, vai-se percebendo que a pretensão dos réus nunca havia sido de causar brigas contra a polícia e, ao mesmo tempo, como era quase impossível evitar que isso acontecesse. A América estava desesperada e nunca é fácil controlar pessoas feridas que clamam pela própria vida e pela alma da nação.
Verifica-se este padrão até hoje. Neste ano, os Estados Unidos presenciaram um alto número de manifestações, como já não se via há décadas. Houve imensas pessoas a defender o movimento Black Lives Matter e a clamar por justiça e paz por semanas. E, assim como no filme, os seus ideais de defesa da democracia e dos direitos humanos foram desmerecidos por causa de uma série de manifestações que não terminaram pacificamente.
A personagem de Bobby Seale aproxima ainda mais, na minha opinião, o julgamento dos 7 de Chicago e da atualidade. Seale não participara na organização do protesto como os outros e, na verdade, nunca havia visto a maioria deles antes do fatídico dia da Convenção. Contudo, Seale passa a ser julgado juntamente com eles e é também acusado, falsamente, de ter matado um policial. A situação torna-se ainda mais absurda quando lhe é privado o direito de ser representado e defendido por um advogado. O líder dos Black Panther organizou-se só para dar um discurso pacífico no protesto e acabou por ocupar um estereótipo racista aos olhos do júri e do juiz. A sua sentença mentirosa chega até mesmo a dar mais argumentos à promotoria contra o caso dos outros sete.
Como é repetido por todo o filme: “The whole world is watching” (“O mundo inteiro está a ver”) e deve ver com atenção e empatia.
Artigo redigido por Amanda Silva
Artigo revisto por Miguel Bravo Morais