Os empadões de Hollywood
Gostava muito de ser ator, ou de ter a oportunidade de participar num filme, independentemente da dimensão do papel. É claro que não me importava nada de ser ator principal, desde que o enredo e a personagem me interessassem. Escusado seja dizer que também gostava de ser famoso. Gostava de ser reconhecido por alguma coisa, algo que faça bem, e não me importava que fosse por ser ator. Seremos sempre famosos aos olhos dos nossos papás e mamãs, mas nem que seja para escapar à ternurenta tormenta que essa realidade aparenta representar na cabeça de muito adolescente e jovem adulto, ambicionamos um bocado mais do que isso. Eu não sou exceção. Dito isto, é-me quase impossível levar Hollywood a sério. Independentemente da qualidade de um filme e da prestação de certo ator em determinado filme, a mística e o drama em torno de Hollywood e dos seus filmes entranhados na minha psique impedem-me de desfrutar, na sua plenitude, de um bom filme, e faz com que os menos bons me saibam a empadão, o pior prato alguma vez concebido. Podiam saber só a puré ou a carne picada, que já não são coisas agradáveis por si sós. Mas é triste quando se tem dinheiro para um bife kobe ou um filet mignon, ou uma rica lagosta suada, ou um caviarzinho e se acaba com empadão, ou porque não se tem palato para tão farta e rica mesa, ou porque não se tem capacidade para fazer boa comida com tão bons ingredientes.
A verdade é que, muitas vezes, tem-se ambas, mas as motivações das grandes produtoras cinematográficas andam à volta de dinheiro e poder. O sexo forçado é uma consequência do dinheiro e poder. As cerimónias de prémios são um ritual de confirmação do status quo imposto por esses círculos, e isso não se aplica só aos Óscares, como a qualquer outra cerimónia. Desse modo, essas cerimónias são uma mera manobra de marketing e relações públicas, na medida em que os atores mais populares entre o público e entre a Academia e os filmes cuja mensagem se coaduna com as modas sociopolíticas da atualidade estão quase sempre entre os nomeados. Ou isso, ou os produtores de filmes cujos dois critérios não se podem aplicar tão bem pagam um tributozinho de adoração para que tenham os seus filmes nomeados. Meryl Streep é uma excelente atriz, mas acredito que mesmo se, num filme qualquer, estivesse metade do tempo sentada numa sanita seria nomeada a um Óscar. Do mesmo modo, à boa moda do empadão, aqueles cozinhados por Hollywood são direcionados para o consumo, por serem simples de fazer e de digerir. A grande maioria do público não tem muito tempo para comer coisas mais interessantes. Em nenhum universo paralelo o “Emoji Movie” existiria. O nível de desinteresse e a falta de integridade artística de alguém que é capaz de financiar algo tão decadente deveria ser merecedor de prisão perpétua, mas isso é um tópico com “sumo” suficiente para um livro.
O cinema é uma arte, tal como a música, ou a escrita. Desse modo, os mais prolíficos artistas devem ser premiados, e a experimentação artística deve ser encorajada. Só porque se experimenta não significa que estejamos a fazer um bom trabalho: diferente não significa melhor. No entanto, se for bem executado tecnicamente, deve ser premiado. Enquanto aquilo que for promovido pelos círculos superiores seguir as mesmas abordagens e deitar cá para fora as mesmas mensagens formulaicas, apelando ao menor denominador comum e às modas para espremer ao máximo o guito, a indústria cinematográfica irá continuar a perder credibilidade. Lucrar com os filmes é muito bom, mas não deve ser feito ao custo da integridade artística de quem os faz. Isto aplica-se não só a produtores, como também a atores, realizadores, argumentistas, etc. Se uns instigam, os outros são cúmplices. Nem falo dos escândalos sexuais: não é necessário ser-se um génio para saber que relações sexuais só têm piada se forem consensuais e se não forem motivadas por questões de dinheiro e poder. Ninguém gosta de empadão, sejamos francos, e ninguém quer estar ligado à confeção de empadões.