Parabéns, Rei
Portugal é, indiscutivelmente, um país de futebol. No entanto, Portugal também é um país em que quem quer parecer intelectual opta por rebaixar e catalogar coisas em vez de puxar dos galões intelectuais e elevar o debate. Desta forma, Portugal é um país de futebol e que despreza ser um país de bola.
O exemplo mais claro disto mesmo é Eusébio e as pessoas que dizem que ele era só um jogador da bola. A facilidade com que se diz que Eusébio não contribuiu para nada é a mesma com que se eleva um músico. Gostava, ainda assim, de que essas pessoas me explicassem porque é que um bom cantor merece todos os louvores ao passo que um bom futebolista nunca passará de um jogador da bola.
Enquanto futebolista, e apesar de eu, obviamente, não ter vivido a sua época, Eusébio ultrapassou várias fronteiras, começando desde logo pela clubística. O «pantera negra» era tão consensual entre benfiquistas como entre adeptos de outros clubes. Mais importante ainda! Eusébio era tão consensual entre portugueses como entre estrangeiros. Numa época em que Portugal vivia o auge do “orgulhosamente sós”, a reputação de Eusébio conseguiu romper as fronteiras físicas do nosso país e colocar Portugal na rota do Mundo com a força de muito poucos. Ainda hoje, quase 41 anos de Democracia depois e numa sociedade altamente global e tecnológica, não há memória de nenhum português que tenha conseguido notabilizar-se e ganhar reconhecimento sem precisar de sair de Portugal com a força com que este homem o fez.
Além de tudo isto, Eusébio conseguiu também ser um exemplo. Um exemplo de fair-play. Recorde-se a final da Taça dos Campeões Europeus que o Benfica disputou contra o Manchester United (e que acabaria por perder por 4-1 no prolongamento) e em que Eusébio falha um golo muito perto do minuto 90 isolado com o guarda-redes. Em vez de soltar um palavrão, como estamos tão habituados, Eusébio cumprimentou o jogador adversário por ter estado melhor do que ele naquele momento.
Eusébio teve também o privilégio de encontrar pessoas com memória e que nunca esqueceram quem ele foi. Assim sendo, é também um exemplo de como se deve tratar e homenagear as pessoas enquanto elas estão vivas.
Todas estas razões parecem-me suficientes para reservar a Eusébio o direito de estar presente no núcleo mais reduzido de personalidades portuguesas de relevo. O exemplo está lá. Não é culpa de Eusébio que nem todos consigam perceber, tal como não é culpa de Fernando Pessoa que não percebam a poesia dele. Se Eusébio foi só um jogador da bola, os músicos são só pessoas que fazem barulho e os pintores são só pessoas que fazem traços. O pantera negra representa muito mais do que aquilo que foi e ele já foi muito.
Eusébio faria hoje 73 anos. Parabéns, Rei.
AUTORIA
O Francisco Mendes é licenciado em Jornalismo e pauta a sua vida por duas grandes paixões: Benfica e corridas de touros. Encontra o seu lado mais sensível na escrita de poesia, embora se assuma como um amante da ironia e do sarcasmo. Aos 22 anos é um alentejano feliz por viver em Lisboa.