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Partir para ficar: da Europa à Ásia sem voos

Partiram em maio de 2018 e, durante 11 meses, a Joana Nogueira e o Tiago Pinho viajaram da Europa à Ásia sem apanharem um voo. Para trás, deixaram os empregos e a vida em Lisboa.

Fonte: Facebook (https://www.facebook.com/partirparaficar.jmb/photos/a.814092475446253/814092805446220/?type=3&theater)

A ideia surgiu quando estavam a descer a costa vicentina a pé. Uma vez que acamparam em praias e fizeram todo o percurso a pé, acabaram por viajar e gastar pouco dinheiro.  

No regresso a Lisboa lembraram-se de apanhar boleia. “E se fizéssemos isto até à Índia?”, perguntaram um ao outro. Nessa altura estavam longe de imaginar onde iriam chegar.

Tanto a Joana como o Tiago tinham uma grande vontade de fazer uma viagem prolongada. Aliás queriam fazer algo maior do que eles próprios, algo do qual sentissem orgulho quando olhassem para trás. A isto juntou-se o facto de se sentirem presos às vidas que levavam. “De repente estávamos a ver os anos a passar, a repetirem-se, sem que fizéssemos nada que nos acrescentasse algo. Não queríamos seguir o típico percurso que nos impõem, o establisment. Queríamos viver.”

Começaram a poupar e a planear tudo praticamente dois anos antes de iniciarem a viagem. 

Assim, em maio de 2018, partiram de Budapeste: “Como um de nós conseguiu uma licença de 10 meses, percebemos que tínhamos mais um fator a ter em conta na viagem, o tempo. Como já tínhamos estado em países a oeste de Budapeste, começámos aí, redirecionado o tempo para a Ásia.”  

O plano era gastar no máximo 25 euros por dia. Nos 11 meses, gastaram cerca de 3500 euros cada um com tudo incluído. Não foram patrocinados por nenhuma marca, por isso tudo aquilo que gastaram foi resultado da poupança que fizeram. Durante a viagem tentaram fazer render o dinheiro ao máximo, por isso optaram pelo campismo selvagem, por passar noites em templos budistas, em mesquitas ou casas de famílias locais.

Da Hungria seguiram caminho rumo à Ucrânia, seguindo-se a Moldávia, a Roménia, a Bulgária, a Turquia, a Geórgia, a Arménia, o Irão, o Paquistão, a Índia, o Bangladesh, Myanmar, a Tailândia, Laos, o Vietname, Camboja, a Malásia, Singapura, a Indonésia e por fim, Timor.

Contam que uma das melhores coisas que guardam da viagem é a sensação de liberdade total. “Não saber onde íamos naquele dia, não saber onde dormiríamos, não saber quem iriamos conhecer e não ter planos absolutamente nenhuns. Apanhávamos boleia sem destino concreto, apenas seguíamos o que aquele dia tivesse para nos oferecer”.  Destacam ainda o convite que tiveram por parte de uma família local para assistirem à celebração de um casamento paquistanês.

A viagem permitiu-lhes destruir pequenos preconceitos, que inconscientemente traziam na bagagem, bem como aprender a comunicar com pessoas com as quais não tinham qualquer língua em comum. A Joana e o Tiago relatam que “a liberdade, o desprendimento com o ritmo e os timings que a sociedade quer impor” nas vidas de todos nós, bem como “a luta interior contra o materialismo excessivo”, acabou por ser mais um dos ensinamentos que trouxeram da jornada. Todos os dias acabavam por absorver pequenos detalhes de uma determinada cultura: “ficámos espantados com a conceção de povo que existe em Timor-Leste. Sem dúvida voltámos da viagem pessoas mais conscientes e completas.”

Quanto a medos ou receios afirmam que a nível da segurança não tiveram problemas. Sendo que o único medo que tinham, e por ouvirem de muitas pessoas que seria impossível fazerem o trajeto sem voar, era de não chegarem onde tinham idealizado. Quanto aos aspetos mais negativos, destacam as “saudades da comida e dos pequenos hábitos portugueses”.

Na entrevista à ESCS Magazine, o casal fez questão de abordar o tema do consumismo vs felicidade. Reforçando a ideia de que vivemos numa sociedade altamente consumista, e que isso não significa sermos seres humanos mais felizes. “Vivemos como aqueles ratos de laboratório que estão a correr naquelas rodas. Somos incitados a estar sempre a comprar e a gastar. Se alguém compra roupa cara, também temos de comprar. Se alguém vai a um restaurante, temos de ir a um melhor. Estamos constantemente a competir com a vida dos outros, na ânsia de uma validação que, na verdade, não precisamos. À imagem daqueles ratos estamos sempre a correr, sempre a competir, numa estéril roda que não nos realiza e não nos leva a nenhum lado.”

Deixaram, por fim, um conselho para todos os que desejam fazer uma viagem do mesmo género: “Sai dessa competição de ratos. Não compres um carro só porque o vizinho também comprou. A roupa do ano passado ainda está perfeita para este ano, não tenhas problema se fores o único a levar a marmita para o trabalho ou para a faculdade. Gasta menos em álcool. Vais ver que te sobrará dinheiro para viajar, e que estarás a viver a tua vida e não a que os demais esperam que vivas, e que aceitaste até aqui sem a questionares.”

As fotografias da viagem estão partilhadas na página “Partir para ficar”, tanto no Facebook como no Instagram.

Artigo revisto por Rita Serra