“Playtime”: O avanço das máquinas
Monstruoso filme de Jacques Tati numa Paris domada pelas máquinas, humanas ou menos humanas.
Há sempre uma vontade de voltar aos clássicos. O leitor que nos absolva de qualquer declaração de saudosismo que a intenção é sempre a de celebrar o cinema e não a de recorrer ao chavão de “que o que era antes é que era realmente bom”. No entanto, é também por essa intenção que Playtime faz sentido. Pasme-se: um filme antigo que é incrivelmente atual e que aborda a tecnologia que domina a sociedade contemporânea, mas Jacques Tati já tinha explorado em O Meu tio (1958) a exuberância plástica da tecnologia. Como esquecer a casa da Sra. Arpel, irmã de Hulot, onde tudo era novo, cheio de tecnologia, essa que o Sr. Hulot (espécie de alter ego de Tati) mostrava ignorar, sendo um inadaptado aos conceitos modernos do seu tempo. Pois, em Playtime (1967), Hulot está de volta com a sua inadaptação aprimorada e aguçada.
Tal como em O Meu tio, Playtime aborda a claustrofobia de uma nova arquitetura, só que, aqui, essa claustrofobia foge do cenário de uma casa, a famosa casa da Sra. Arpel, e passa para as ruas de Paris, justificada por um grupo de turistas americanos, cobaias deste ensaio futurista.
Ao longo de 24 horas, os turistas aproveitam uma escala em Paris para conhecer a cidade. Aí, deparam-se com uma metrópole em modo ‘plástico’, parecida com outras capitais europeias. É lá que conhecem alguns dos seus locais, entre os quais o Sr. Hulot, onde irão viver várias peripécias em que será posta à prova a sua relação com a cidade.
Mais do que uma crítica social, Tati traz-nos um dos seus ‘passatempos’ favoritos: personagens a dançar com o mundo tecnológico. É um ambiente de humanos e máquinas, mas que não entram diretamente em choque; o francês prefere colocar ambas lado a lado: a tal “dança”. A personagem de Hulot não está tão presente na trama como em filmes anteriores. Tati ensaia uma espécie de despedida, logo no seu filme maior. É um monstruoso filme, feito de uma forma sublime, burlesca e afirmativa – um clássico absoluto.
Artigo redigido por Luís Carvalho
Artigo revisto por Maria Ponce Madeira