Protestos anti-Trump decorrem continuamente há cinco dias
Desde quarta-feira que milhares de norte-americanos, e não só, saem à rua, insatisfeitos com os resultados da eleição. Donald Trump considerou os protestos injustos para com ele mas uma demonstração de paixão pelo país.
O evento que se iniciou em Nova Iorque e em Chicago em poucas horas se espalhou a várias outras cidades norte-americanas (tal como ao Canadá e a Londres), onde multidões se uniram, normalmente em frente aos edifícios do agora presidente eleito. Os protestos eram etnicamente diversificados e maioritariamente constituídos por jovens; foram organizados nas redes sociais ou criados espontaneamente.
A noite de quinta-feira foi a que representou um nível de tensão maior, no dia em que, à tarde, Trump reuniu com Obama na Casa Branca, onde cerca de duzentos manifestantes gritaram “Os imigrantes são bem-vindos aqui”. Nessa noite, cerca de cinco mil pessoas bloquearam o trânsito em Nova Iorque, na interseção da 57th Street com a Fifth Avenue, e gritaram “Not my President” (“não é o meu presidente”) em frente à Trump Tower, tal como cantaram e fizeram discursos; quase um milhar protestou em Chicago, em frente à Trump International Hotel and Tower, gritando “Love Trumps Hate” (“o amor vence o ódio”), tendo cinco pessoas sido presas; duas mil pessoas protestaram em Seattle; sete mil em Oakland, Califórnia, tendo algumas ateado fogos e atirado foguetes; mais de um milhar saiu à rua em Los Angeles, tendo pegado fogo a uma pinhata representativa do rosto de Donald Trump e bloqueado a autoestrada 101 Freeway, tendo 13 pessoas sido presas; e outras dezenas de milhar manifestaram-se, separadamente, nas cidades de San Francisco, Boston, Brooklyn, Washington, Austin, Denver, Minneapolis, Dallas, Louisville, Baltimore, entre outras.
A escalada de violência, no entanto, foi especialmente evidente em Portland, Oregon, onde quatro mil pessoas marcharam a partir das 18h e cujo comportamento levou as autoridades locais a considerar o protesto um motim (tal como comunicado na conta de twitter @PortlandPolice: “Due to extensive criminal and dangerous behaviour, protest is now considered a riot. Crowd has been advised”, que significa, em português, “Devido ao amplo comportamento criminal e perigoso, o protesto é agora considerado um motim. A multidão foi avisada”). Segundo a polícia, alguns membros do protesto vandalizaram carros e edifícios, partiram vidros de montras de lojas, lançaram gás e foguetes, atiraram objetos às autoridades, queimaram bandeiras dos EUA e atearam fogo a caixotes do lixo, tendo 26 pessoas sido detidas e a polícia disparado balas de borracha sobre a multidão. Mas Teressa Raiford, ativista pelos direitos humanos e participante na manifestação em Portland, conta que o protesto era pacífico, e inseria-se no movimento Black Lives Matter (“As vidas dos negros importam”), até grupos anarquistas – que considera não respeitarem o movimento – se terem juntado e se tornado violentos.
Foi nessa noite que Donald Trump se manifestou em relação aos protestos contra ele, expressando através do Twitter que acredita que eles foram organizados por manifestantes profissionais incentivados pelos meios de comunicação social, considerando-os “muito injustos”. Nove horas depois, afirmou na mesma rede social que adora “o facto de os protestantes terem paixão pelo [seu] grande país”, sugerindo ainda que todos os norte-americanos estejam orgulhosos deles.
Na noite seguinte, sexta-feira, a manifestação em Portland foi mais uma vez tensa, tendo sido detidas 71 pessoas, principalmente devido ao lançamente de objetos às autoridades por parte dos protestantes; também nessa noite, em Los Angeles, no protesto de mil pessoas, quase duzentas foram detidas; mesmo assim, ambas as manifestações foram consideradas “pacíficas no geral” pelas autoridades, que, ainda assim, utilizaram “aparelhos de dispersão” (granadas de som, utilizadas para assustar e distrair). No dia seguinte, durante a tarde de sábado, num protesto em Portland, um homem foi alvejado: o suspeito ia num carro, quando, após uma possível discussão com um manifestante, disparou vários tiros sobre este, fugindo depois, no veículo onde se encontrava; a vítima foi levada para o hospital e os seus ferimentos não foram graves.
Durante estes dias, centenas de estudantes têm organizado protestos perto dos campus da Universidade da Califórnia do Sul e da Universidade da Califórnia em Los Angeles; na quarta-feira, mil e quinhentos estudantes manifestaram-se perto da Berkeley High School, alguns estudantes queimaram bandeiras dos EUA no campus da American University, e mais de mil alunos de San Francisco faltaram às aulas nesse dia e protestaram pacificamente no complexo de edifícios Civic Center. Escolas e faculdades por todo o país têm demonstrado apoio aos seus alunos adiando testes, não contabilizando faltas durante esta semana, oferecendo debates, chá, psicólogos(as) e sessões de meditação e criando espaços seguros, incluindo espaços de recuperação, para as mulheres, as minorias e os potenciais imigrantes ilegais.
Os manifestantes estão descontentes com as políticas de imigração de Donald Trump, com o futuro do ambiente e com os direitos LGBTQIA, das mulheres e de outras minorias; numa manifestação em Chicago, era possível ler-se num cartaz “Eu não acredito que ainda tenho de protestar por direitos humanos”. Alguns manifestantes também demonstram descontentamento para com o sistema eleitoral, que permite a vitória de um candidato que tenha menos votos populares desde que possua um maior número de deputados.
Chloe Stratton, uma mulher trangénero de 33 anos que participou na manifestação de quinta-feira em Chicago, afirmou “Eu temo pela minha vida”, adiantando que já começou a explorar opções de sair dos EUA. Já Khizr Khan, pai de um soldado muçulmano morto no Iraque, sublinhou o crescente registo de ataques a muçulmanos e a mesquitas desde a vitória de Trump. Muitos protestantes revelaram possuir medo de familiares e amigos seus serem deportados, agora que Donald Trump foi eleito. Num vídeo que circula nas redes sociais, é possível visualizar um grupo de alunos de uma escola básica em Michigan gritar “Construam o muro!” enquanto alunos latinos choram. Noutro vídeo, alguns alunos da York County School of Technology seguram cartazes de apoio a Trump e é possível ouvir alguém gritar “White Power”.
Confrontada com a opinião dos apoiantes de Trump, que dizem que os manifestantes não respeitam o processo democrático, Brooklyn White, uma protestante de 18 anos apoiante de Hillary Clinton, esclarece: “Se Donald Trump ganhou, então tudo bem, ele será o presidente, mas ele terá de nos ouvir”. E os organizadores dos protestos em Miami revelam que até podem possuir algo em comum com os apoiantes de Trump: “Muitas pessoas votaram no Trump devido ao sentimento anti-sistema, com o qual nós concordamos; é ao Trump que nós temos de resistir; pode existir algo em comum entre nós e quem o apoia, por isso o foco da nossa luta é o Trump e não todos os seus apoiantes”.
Os protestos já aconteciam antes das eleições, normalmente nos comícios do então candidato Donald Trump, mas intensificaram-se a partir da comunicação dos resultados, nesta terça-feira. Os ativistas afirmam que este é apenas o início e que esta é uma “luta longa”, que se prolongará até pelo menos o dia de tomada de posse do Presidente eleito, a 20 de janeiro de 2017. Para esse dia, já está a ser organizada a marcha feminista Million Women March em Washington, tal como outras marchas feministas em pelo menos outros 16 estados norte-americanos.
Além da vitória presidencial do republicano Donald Trump sobre a candidata do Partido Democrata, Hillary Clinton, a candidata do Partido Verde, Jill Stein, e o candidato do Partido Libertário, Gary Johnson, foram divulgados, ainda nesta quarta-feira, os resultados das eleições para o Senado (vitória republicana, com 51 senadores) e para o Congresso dos Representantes (também vitória republicana, com 239 deputados).