Opinião

Quando o conteúdo se torna lixo

Marcos Melo  (1)

(Ilustração de Sandrina Fonseca)

Sou um entusiasta das redes sociais, assumo. Aliás, sou dependente do online, na sua generalidade. Não arrisco afirmar que sou viciado, pois um verdadeiro viciado não o admite. (Pronto, provavelmente, sou mesmo…) Eu sou daquelas pessoas que, quando acorda, a primeira coisa que faz é pegar no smartphone, que está em cima da mesa-de-cabeceira – convém que esteja ali à mão de semear. Em meia dúzia de minutos, consulto o que foi publicado, durante as últimas horas, no Facebook e no Instagram. É mais forte do que eu…

Mas adiante. A introdução do parágrafo anterior serve apenas para fazer a ponte para uma constatação meramente pessoal (se calhar, não sou o único): a de que o meu feed do Facebook está, cada vez mais, minado por lixo. Se eu fosse um analista de uma qualquer agência de notação financeira – daquelas que a crise da troika celebrizou –, sugeria que se baixasse o rating dos conteúdos partilhados no Facebook para o nível de lixo. Bem sei que a palavra pode soar exagerada mas serve para ilustrar o meu ponto de vista.

Pessoalmente, considero que um dos maiores benefícios das redes sociais passa pela partilha de conteúdos que vão ao encontro dos meus interesses/gostos. Partindo do pressuposto – nem sempre correcto, é verdade – de que a nossa rede de amigos comunga connosco determinados interesses/gostos, acaba por ser normal encontrarmos no feed informações que despertam a nossa atenção. Acima de tudo, a partilha destes conteúdos funciona como uma ferramenta essencial para me manter actualizado relativamente a certas temáticas – sejam lúdicas ou profissionais. No entanto, o algoritmo do Facebook tem as suas manhas e, por vezes, acaba por nos impingir coisas que são um autêntico tiro ao lado – quero lá saber de receitas milagrosas para obter abdominais dignos de um super-herói em apenas dez dias ou de frases feitas de âmbito espiritual/exotérico/da auto-ajuda.

Nestas andanças da comunicação, sempre me disseram (e eu concordo) que o conteúdo é rei. É certo que o meio importa – já McLuhan dizia que “o meio é a mensagem” – mas, no final de contas, é o conteúdo que dita o sucesso da mensagem.

Por tudo isto, confesso que começo a sentir-me frustrado ao percorrer o feed do Facebook e ao verificar que a maioria dos conteúdos é lixo. E espanta-me, igualmente, as fontes destes conteúdos: sites que, à primeira vista, me parecem do mais suspeito que pode existir. E surpreende-me que alguém os considere credíveis ao ponto de partilhar os seus conteúdos.

Neste sentido, sinto que o potencial das redes sociais, principalmente do Facebook, se começa a desvirtuar. Aceito que contraponham, argumentando que eu tenho uma visão demasiado romântica daquilo que é o Facebook. Na verdade, recuando até 2009, quando criei a minha conta, o Facebook pouco mais era do que meros quizzes. A partir daí, sofreu uma evolução qualitativa brutal. Mas, não querendo bater mais no ceguinho, considero que estamos a assistir a uma regressão.

Sendo eu um entusiasta das redes sociais – foi assim que comecei este artigo, lembram-se? –, acredito que o Facebook (e outras tantas redes sociais que poderia nomear) é, acima de tudo, uma praça pública de excelência que, utilizada da melhor forma, é capaz de promover um sentido democrático, caracterizado pelo pluralismo dos seus intervenientes. E o conteúdo é a ferramenta ideal para materializá-lo.

(Este artigo foi escrito ao abrigo do Antigo Acordo Ortográfico.)

AUTORIA

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Diz que é o cota da ESCS MAGAZINE. Testemunhou o nascimento do projeto, foi redator na Opinião e, hoje, imagine-se, é editor dessa mesma secção. Recuando no tempo... Diz que chegou à ESCS em 2002, para se licenciar, quatro anos mais tarde, em Audiovisual e Multimédia. Diz que trabalha há nove no Gabinete de Comunicação da ESCS – também é o cota lá do sítio. Diz que também por lá deu uma perninha como professor. Pelo caminho, colecionou duas pós-graduações: uma em Comunicação Audiovisual e Multimédia (2008) e outra em Relações Públicas Estratégicas (2012). Basicamente, vive (n)a ESCS. Por isso, assume-se orgulhosamente escsiano (até ser cota).