Opinião

Retrocedimento da Liberdade Verbal

Cada vez mais assistimos a um acréscimo, ou pelo menos maior reconhecimento, de situações de ativismo. E, ao longo dos anos, a diversidade de áreas em que os ativistas se especializam e proclamam tem vindo também a crescer, consequência da evolução da sociedade.

Existe toda uma panóplia de novos grupos e a manifestação das suas opiniões tornou-se o foco dos media nos tempos que correm. As marchas pelos direitos de certos e determinados segmentos da população passaram a ser algo recorrente e isso não só dirigiu a atenção para as mesmas, como começou a atrair novas pessoas a juntarem-se aos movimentos, disseminando uma diversidade de opiniões.

A liberdade de expressão foi algo por que lutámos. No nosso país, foi a 25 de Abril de 1974 que se podiam encontrar nas bancas os primeiros jornais que não tinham passado pelo crivo da censura. Foi necessária uma revolução para termos direito a este fator essencial para o desenvolvimento da sociedade e da comunicação interpessoal. A Primeira Emenda (First Emendment) da Constituição dos Estados Unidos impede o Congresso de criar qualquer lei que diga respeito ao estabelecimento de uma religião, ou que afete a liberdade de expressão, liberdade da imprensa, que proíba o direito dos cidadãos de se reunirem pacificamente ou de os mesmos levantarem queixas acerca das leis estabelecidas. Esta foi uma das dez emendas, implementada a 15 de Dezembro de 1791, que constituem a Declaração dos Direitos (Bill of Rights).

Para muitos, a liberdade de expressão ou de imprensa é um dado adquirido. Já nos habituámos a ter voz e por vezes perdemos um bocado a noção da importância que esta tem e do cuidado que devemos ter com a mesma. Enquanto muitos países se sentem livres todos os dias na comunicação, alguns continuam a ser oprimidos. Na Ásia encontram-se países onde a liberdade de expressão não existe, e não parece haver qualquer indício de que tão cedo esta se instale. A começar pela Coreia do Norte, onde os media incidem mais atualmente, restantes países como Laos, Birmânia, Irão, Vietname, China, Turquemenistão e Butão aprisionam a população numa constante censura das suas vozes.

Mas, até que ponto é que a nossa liberdade de expressão não nos prejudicou enquanto sociedade? Até que ponto é que o medo não começa a ser instaurado aos poucos e a impedir muitos de se sentirem confortáveis para comunicar livremente? Li um artigo recentemente que falava precisamente deste assunto.

A realidade é que com a formação de todos estes novos grupos de ativismo que temos observado, surgem disputas e tragédias, como o caso dos protestos contra o grupo de neonazis, que se deu este ano em Charllottesville. Ou numa ótica completamente diferente, mas também penosa, o caso da intervenção da polícia turca numa marcha ativista de orgulho gay, impedindo os ativistas e proibindo-os de se manifestarem.

A segmentação mundial a que se tem assistido com a existência de cada vez mais grupos, o facto de cada vez mais pessoas se caracterizarem pelos grupos onde se integram levanta questões que podem interferir na sua liberdade de expressão.

É difícil entrar em certos e determinados grupos de ativismo ou caracterizarmo-nos consoante os valores e a mensagem que esses grupos defendem e proliferam. Ao introduzirmo-nos nestes segmentos, estamos, quer queiramos quer não, a demonstrar aos que nos rodeiam que partilhamos dos sentimentos e opiniões presentes ali. E ao estabelecermos este compromisso, muitos de nós podemos sentir que, embora em certas manifestações não estejamos completamente de acordo, temos de estar presentes na mesma por concordarmos com a maioria do que ali é defendido.

Muitos de nós podemos encontrar-nos em situações de diálogo em que as opiniões que estão a ser comunicadas não vão bem ao encontro daquilo em que acreditamos. Mas pelo facto de esta identificação pessoal com estes ativistas ser, para muitos, um tópico sensível e que hoje em dia causa tanta discórdia, optamos a maioria das vezes por nem nos pronunciarmos.

Por algum motivo ouvimos várias vezes aquele típico conselho de que não vale a pena, entre amigos, discutir política, se vai gerar motivo de discussão. E atualmente, verifica-se uma mudança de paradigma na política. Enquanto antigamente as pessoas discutiam mais política, hoje em dia já se observa um aumento na discussão dos diferentes grupos ativistas. É mais fácil para a maioria de nós identificarmo-nos com algum destes grupos do que com algum partido político, até porque muitos de nós nem entendemos muito sobre política e principalmente porque consideramos as mensagens dos grupos ativistas mais simples de interpretar. E aqui é onde se gera o grande erro humano que vai ter como consequência a razão maioritária das discussões/ disputas – o mal-entendido.

Alguém pode interpretar erradamente a mensagem de algum grupo e comunicá-la como a entendeu, ou identificar-se como pertencendo a esse mesmo grupo. Proveniente desse conjunto de fatores e através do efeito bola de neve a mensagem desse determinado grupo passa a ser disseminada de maneira diferente e surgem mais mal-entendidos, e assim sucessivamente. Com o surgimento destas divergências, muitas vezes erradas, a censura volta a ocupar a mente de alguns, por precaução. Seja por não quererem criar uma discussão ou simplesmente porque não acham que a sua opinião vá trazer algo de bom. As divisões e barreiras que se criaram com o aparecimento de todos estes grupos ativistas influenciaram a nossa maneira de comunicar. E a certo ponto parece-me que ocorreu um retrocedimento.

Lutámos pela liberdade de expressão. Lutámos para que as nossas vozes fossem ouvidas. E agora estamos a conseguir, aos poucos e poucos, voltar a silenciá-las.