Editorias, Opinião

Silêncio

Quem me conhece sabe bem que não sou facilmente acabrunhado. Os meus demónios estão à vista de todos. Muitas vezes sou eu mesmo que os exponho: torna-se mais confortável para mim fazê-lo. Que raio de paradoxo é esse?, perguntam vocês, e bem. É, à partida, estranho como um tipo que sofre de ansiedade social fala ao desbarato e comunica com toda a gente. Diz-nos o cinema que eu deveria ser o contrário – um tipo taciturno e cabisbaixo que não fala com ninguém e que fica em casa trancado enquanto faz obscenidades dentro da privacidade das suas quatro paredes. Não nego que alguns destes traços sejam visíveis na minha pessoa, mas, no geral, a carapuça não me serve.

A verdade é que o silêncio dilacera-me muito mais do que a comunicação, numa multitude de aspetos. Sinto que ao falar estou a destruir aquele monstro, aquele bloco de gelo autoritário. É por isto que participo constantemente nas aulas. É por isto que falo constantemente durante os jantares. É por isto que atiro piadas, tal dardos a um alvo, uma manobra que se revela arriscadíssima, já que incorro no risco de esta me devolver aquela mesma ausência de som, como tiro que sai pela culatra.

É também uma tentativa de escape de mim mesmo. O que é a vida se não uma coletânea de ocupações triviais, que tentam esquecer a única coisa que nos une universalmente. Não é o amor, nem a paz, a liberdade ou a fraternidade. É, sim, a morte. O único elo que todos temos em comum. Por onde quer que passem as ferrovias da vida do mais trivial indivíduo, a estação final é comum a todos nós.

Acredito que, inconscientemente, o mundo partilha comigo estes sentimentos: nós fazemos, porque não queremos deixar de fazer, porque temos medo de ter medo. Tentamos ser sociais e produtivos, estudiosos ou trabalhadores, até mesmo preguiçosos ou artísticos. São tudo mecanismos, tudo formas de ocupar o tempo, de nos esquecermos da nossa mortalidade.

Ao estar em silêncio connosco próprios, ruminamos. Mastigamos os nossos pensamentos, os nossos medos justificados, e daqui não conseguimos sair. Olhamos para esse abismo que nos devolve o olhar, como dizia Nietzsche. Trepamos as paredes da loucura.

Socializar é fugir de tudo isto, é afogar a mente, mesmo que para muitos de nós seja um mal necessário.

Nenhum homem é uma ilha. Eu falo, porque não sei não falar.

Este artigo é escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

AUTORIA

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João Carrilho é a antítese de uma pessoa sã. Lunático, mas apaixonado, o jovem estudante de Jornalismo nasceu em 1991. Irreverente, frontal e pretensioso, é um consumidor voraz de cultura e um amante de quase todas as áreas do conhecimento humano. A paixão pela escrita levou-o ao estudo do Jornalismo, mas é na área da Sociologia que quer continuar os estudos.