Solidão, a minha fiel amiga
Por Margarida Rodrigues
A palavra de ordem deste artigo é solidão. Dizem que as palavras têm o valor que nós lhes damos. Não podia concordar mais. Ao relembrar-me das mais variadas situações a que já assisti, apercebi-me de que cada um encara a solidão à sua maneira. Curiosamente, nenhuma delas é positiva.
É possível que este “bichinho” ainda não tenha atormentado a tua vida, mas quando ele entrar no teu mundo, sem sequer pedir licença, é quando tu te vais aperceber do quão perigoso ele pode ser. Para exemplificar, imagina-te numa pequena sala escura, fria e sem absolutamente nada lá dentro, onde, por mais que grites e peças ajuda, ninguém te ouve e ninguém te vem auxiliar. Agora, imagina que essa sala é a tua alma. É assim que te vais sentir: só e desamparado. Eu sei, não é, de todo, o cenário ideal e, como é óbvio, ninguém quer cair no abismo da solidão. A verdade é que, por vezes, cais sem te aperceber ou, pior, empurram-te para lá.
O engraçado da solidão – sem ter graça alguma – é que não precisas de estar literalmente sozinho para que ela te venha fazer companhia. Para ser sincera, já tive o “prazer” de a conhecer e de perceber que é um pouco inconveniente, aparecendo, muitas das vezes, sem ser convidada. Já se colou a mim enquanto eu jantava num restaurante barulhento numa mesa rodeada de amigos, já dormiu comigo várias noites (logo comigo, que gosto tanto de dormir sozinha) e até foi a minha companhia no autocarro desconfortável que apanho para ir para casa. Enfim, tornou-se um verdadeiro pesadelo.
No entanto, tal como todas, ou quase todas, as relações que começam com o pé esquerdo, conseguimos passar a conviver civilizadamente e, espantem-se, ficámos amigas! Sim, é verdade, ela não é muito boa conselheira e, normalmente, não me faz sentir melhor nos momentos em que mais preciso, mas nem tudo é mau. Pelo menos, não me diz coisas do género “vai ficar tudo bem” ou “não penses mais nisso”. Simplesmente, mantém-se calada e deita os seus pozinhos mágicos pelo ar – o que me irrita profundamente, pois ela sabe que sou alérgica e que estes me fazem chorar, mas teima em fazê-lo porque defende a estúpida teoria de que “chorar limpa a alma”. Bem, se assim for, a minha está imaculada.
Infelizmente, nem todos conseguem lidar com esta “amiga” com tanta paciência quanto aquela que eu tentei ter nos últimos anos. Eu compreendo. Não é nada fácil ter uma siamesa colada a nós o dia inteiro. Às vezes, nos seus melhores dias, ainda tem o bom senso de ir chatear outro, mas, nos últimos tempos, isso tem sido raro, o que me faz acreditar que ela viu em mim alguém que precisava muito dela. Para ser sincera, não entendo o porquê, se eu estou sempre rodeada de pessoas que gostam de mim. Talvez ela queira competir e ver quem gosta mais de estar comigo. Se for o caso, tenho a dizer que ela está, definitivamente, a ganhar com vários pontos de avanço.
Porém, apesar de os aspetos negativos serem, visivelmente, mais do que os positivos, dizem que é com as coisas menos boas da nossa vida que nós mais aprendemos e este caso não foi exceção. Com o passar dos anos e com a maturidade que fui ganhando, apercebi-me de que, se pintasse a solidão com cores alegres, deixaria de a ver como aquele buraco negro ao qual a costumava associar. Desde esse dia que tudo se tornou mais fácil. Deixei de a afastar, de a ignorar e de a ofender e passei a aceitá-la quando ela decidisse aparecer. Claro que não a deixei tomar conta da minha vida, muito menos deixei que ela decidisse coisas estapafúrdias, como ficar o dia inteiro na cama, mas deixei que ela fosse a minha companhia quando eu não tinha mais ninguém.
Entretanto, por sorte ou porque estava destinado, conheci pessoas incríveis e descobri sentimentos aconchegantes que me fizeram esquecer da minha fiel amiga. Acho que ela ficou um pouco sentida com este abalo na nossa amizade, mas espero que tenha compreendido a razão do nosso afastamento. Afinal, as pessoas crescem e os amigos acabam também por seguir rumos diferentes. Por vezes, ainda aparece, desculpando-se com saudades minhas, mas fica por pouco tempo. Penso que seja melhor assim. Quem sabe se um dia não a voltarei a ver no nosso buraco negro. Até lá, espero conseguir manter-me à tona e que não me deixem afundar mais uma vez.
Revisto por Ana Roquete