The Killing of a Sacred Deer
Angustiante e sinistro como sempre, Yorgos Lanthimos realiza mais um bizarro e desconcertante filme, inspirado nas ironias trágicas de Eurípedes. The Killing of a Sacred Deer coloca em evidência a frustração e impotência humana, transcendendo em simbolismos. O resultado final pode dividir opiniões, mas o que é garantido é a confirmação de um registo singular inerente aos seus trabalhos.
Lanthimos não se prende aos limites exacerbados do politicamente correto para passar a sua mensagem na elaboração do argumento. Eleva e dignifica as tragédias escritas pelos antepassados gregos, criando um ambiente kafkiano em torno do universo das suas narrativas. Aflição, desconforto e uma sensação de insignificância para com o mundo ― tudo o que construiu em obras prévias como Dogtooth e The Lobster, volta a replicar no presente filme. Contudo, em The Killing of a Sacred Deer, há algo mais incómodo e soturno.
Essas sensações são transmitidas através de vários elementos que Yorgos Lanthimos inclui no desenvolvimento da história. Nunca são reveladas informações sobre o passado dos protagonistas, que se afiguram com uma postura pávida. Parecem intimidados por uma orça superior, ausente do campo do filme, mas que dá a entender a presença de um segredo maligno que os assoberba e poderá ser revelado a qualquer instante. Se tal não bastasse, os diálogos são parcos em conteúdo e emoção, enquanto a utilização de planos gerais acentua a omissão de sentimentos e o estado sombrio e taciturno do filme.
Para que tal resultasse, seria necessário estabelecer um equilíbrio entre fotografia e representação. The Killing of a Sacred Deer ganhou muitos pontos com o seu elenco, liderado por Colin Farrell (que volta a colaborar com Lanthimos) e Nicole Kidman. Ainda assim, a presença dos conceituados e galardoados atores não inibiu Barry Keoghan de se revelar como a grande surpresa do filme. O jovem inglês assumiu as rédeas e foi peça fundamental para que a mensagem fosse apresentada com distinção, alimentando a audiência com a imperativa curiosidade e entusiasmo de que um bom thriller necessita. Todavia, não foi suficiente para poder elevar The Killing of a Sacred Deer ao nível dos dois últimos trabalhos do realizador grego.
Como referi no preâmbulo, o filme foi criado com a finalidade de dividir opiniões, muito ao jeito de Dogtooth e The Lobster. Valorizo que Yorgos Lanthimos se mantenha fiel aos seus princípios, não procurando agradar audiências mais mainstream, acostumadas à serenidade de Hollywood. Só que, ao contrário dos referidos trabalhos, The Killing of a Sacred Deer revela a inércia do realizador em sair do seu próprio labirinto de ideias, no qual se perde.
Lanthimos constrói um Cavalo de Troia que esbarra em portas bem seladas, incapaz de ultrapassar uma muralha solidamente alicerçada pela primeira metade do filme. A segunda parte deixa algo a desejar, não conseguindo dar continuidade ao início prometedor do filme, causador de uma enorme antecipação. Tal fica gorado, pois a sua analogia emerge carregada de simbologias, algumas pouco óbvias, o que torna o desenlace moroso e difícil de compreender. A lógica do universo de The Killing of a Sacred Deer é remetida para segundo plano, não conseguindo o realizador nivelar a sua fórmula trágica com o conteúdo enigmático que criara na primeira hora de metragem.
The Killing of a Sacred Deer é um filme razoável e que espelha dois pólos de Yorgos Lanthimos. Por um lado, possui uma imaginação arrojada e sem limites, mas, por outro, necessita de a organizar em função da narrativa que criou. A originalidade está lá, assim como boas representações e realização. Agora, resta saber qual a opinião da Academia em relação à presente obra. Certo é que se torna em mais um nome a seguir com atenção no futuro, para quem procura novidades na arte de fazer cinema.