“The Secret of a Heart Note” e os devaneios a que deu origem
Realismo mágico é, pessoalmente, um dos tópicos que mais gosto de abordar em qualquer livro, pois até no surreal podemos ser deixados a pensar em questões absolutamente realistas e humanas.
No romance adolescente The Secret of a Heart Note, de Stacey Lee, acompanhamos a jornada de uma aromateur (alguém que tem um sentido de olfato mais apurado do que os restantes e usa esse dom para exercer uma posição de casamenteira, ou de melhoramento da vida em geral, a pedido de clientes crentes das suas capacidades).
Esta aromateur, Mimosa, é ensinada que apaixonar-se seria a sua ruína. Perderia a capacidade de analisar todos os aromas que compõem a personalidade de alguém e, consequentemente, perderia o seu dom e a sua aptidão para produzir as suas poções amorosas.
Mimosa vem de uma linhagem relativamente restrita de aromateurs e, por isso, é especialmente protegida e guiada pela sua mãe, que é contra qualquer tipo de paixão que Mimosa possa vir a ter. Mas, como já disse, é um romance, e, por isso, deduzimos que esta impossibilidade de Mimosa tenha sido posta à prova, nomeadamente por um rapaz, Court, cujo aroma a fazia lembrar de casa, do seu lar, algo confortável e interessante que, desde que o viu pela primeira vez, a cativa.
É um romance envolvente, cheio de intrigas e reviravoltas, do famoso “vai/não vai” criado pela luta interna de Mimosa entre ouvir a mãe (e manter o seu dom) e todos os sentimentos que se encontra a ter de enfrentar. Todos os quirks e características únicas de Mimosa e da sua história, escritas e descritas maravilhosamente por Stacey Lee, conferem a este romance um caráter inocente, intoxicante da melhor maneira possível e um must read para qualquer romântico incurável.
No entanto, não estou aqui apenas para fazer uma review deste livro fantástico. Como disse no início, até histórias de realismo mágico e com aspetos de fantasia enraizados no seu plot podem dar azo a uma reflexão bastante humana.
Todo o conceito deste livro é baseado no facto de estas aromateurs conseguirem manipular e juntar duas pessoas através da análise dos aromas de cada uma (sendo que podemos considerar isto o aspeto mais químico da nossa composição quando traduzimos para termos reais).
Como seres humanos podemos olhar para a origem do amor tanto pela vertente mais científica e química (a composição e genética de A combinar melhor com a de B do que com a de C) como pela vertente mais emocional e mais espiritual (em que duas almas não se encontram por acaso e que o amor é algo que se trabalha mas não se escolhe).
É sempre interessante olhar para a crença de cada um de nós no que toca ao amor, sendo que as duas visões não se excluem mutuamente. Há muito a ser argumentado de cada um dos lados.
Do lado científico podemos abordar toda a natureza humana, a lei da sobrevivência e de nos sentirmos atraídos, através dos nossos instintos mais primários, pelo parceiro que consideramos que nos dê a melhor chance de felicidade e descendência saudável. No entanto, vendo pelo lado mais espiritual e emocional, nem sempre é assim. Nem sempre a natureza ganha às emoções, que muitas das vezes estão lá sem permissão.
Quantas vezes não nos apaixonamos por alguém contra a nossa vontade, alguém que nos irrita e vai contra tudo o que sabemos e acreditamos? E quantas dessas vezes não podemos explicar o porquê? É nessas situações que entramos em conflitos de ideais pois parece que este magnetismo vai para além do nível biológico e toca em tudo o que nos é mais íntimo e emocional, quer acreditemos ou não na existência de uma alma.
Livros com alguma fantasia servem para isto mesmo, para nos deixar a questionar todas as nossas crenças e maneiras de pensar, pois, ao conseguirmos remover-nos da realidade em que nos inserimos, vemos tudo com muito mais clareza, e somos inundados por um mar de perguntas e questões existenciais que tornam a vida imensamente mais interessante.
Fonte da capa: Joana Costa
Artigo revisto por João Nuno Sousa