Um elogio ao tédio
Byung-Chul Han é um filósofo coreano e uma referência da atualidade. Muito interessado no impacto da tecnologia na sociedade contemporânea, escreve A Sociedade do Cansaço, refletindo sobre a azáfama da sociedade, as forças tecnológicas e sobre as questões de saúde mental e emocional. Preocupado com o impacto do capitalismo na vida das pessoas que, com um ritmo tão frenético, não têm tempo para se sentirem aborrecidas, reflete sobre como é este aborrecimento necessário para a criatividade.
A sua escrita é muito pautada pela palavra “excesso”: excesso de positividade, de estímulos, de informação, excesso de trabalho e de produção. Segundo o autor, estamos a viver uma época onde, mais preocupante do que a quantidade de trabalho que nos impõem, é a quantidade de trabalho que impomos a nós próprios – esta autoexploração vem com uma ilusão de liberdade. Vivemos numa sociedade em que é muito romantizada a ideia de trabalhar além do horário, de trabalhar mais horas do que são precisas, de ter mais do que um trabalho e de viver para o trabalho.
“(…) uma sociedade de trabalho em que o próprio amor se tornou escravo do trabalho. Nesta sociedade coerciva, cada homem transporta às costas o seu próprio campo de trabalho forçado” .
Byung-Chul Han em A Sociedade do Cansaço (2010, p.35)
A produtividade é elogiada, e o tédio é temido. Mantemo-nos ocupados com centenas ou milhares de tarefas por dia e, quantas mais fizermos, mais produtivos e úteis nos sentimos. O problema, alerta o autor, é que a nossa atenção deixa de ser atenta e passa a ser dispersa, distraída. Se calhar damos por nós a pegar no telemóvel após uns segundos numa fila para o café, ou à espera do elevador. Ou fazemos scroll nas redes sociais numa parte do filme mais parada ou pousamos um livro para ir ao TikTok e, nesse momento, sentimos que é muito mais fácil ficar a ver vídeos, constantemente estimulantes, do que estar parados e focados num só livro. Queremos aproveitar todos os momentos do mundo, preencher todo o tempo que temos, estando dispostos a viver tudo, menos o tédio.
Podemos questionar-nos sobre qual é o mal de não suportar o tédio. Qual é o mal de querer aproveitar bem a vida, de não querer ser um procrastinador, de não querer estar aborrecido? Byung-Chul Han faz-nos repensar o tédio como algo importante para a criatividade e para a inovação, através de um simples cenário imaginário:
“Só o ser humano é capaz de dançar. É possível que, em determinado ponto do seu percurso, o homem se tenha sentido tão entediado ao andar que esse ataque de tédio o tenha levado a transformar o passo de corrida em passo de dança”
Byung-Chul Han em A Sociedade do Cansaço (2010, p.27).
Embora associemos a criatividade a génios como William Shakespeare ou Vincent van Gogh, há uma criatividade nas crianças muito pura. E é por isso que as ideias de Byung-Chul Han nos podem fazer olhar de forma diferente para o tempo livre de todos nós e, em primeira instância, o tempo livre das crianças. É importante que elas tenham tempo, que se aborreçam, que tenham espaço mental e emocional para serem criativas. Há nelas uma genuinidade e pureza que é mais difícil nos adultos, precisamente porque elas não trabalham, porque têm tempo para saltar de profissões, de brincadeiras e de sonhos.
“Vais perceber quando fores mais crescido”: passamos a vida a ouvir isto quando somos crianças. Mas talvez seja ao contrário – talvez percebamos mais quando somos menos crescidos. Numa sociedade cansada, atarefada, que suporta – e até deseja – sempre um pouco mais de trabalho, é importante relembrar a importância do silêncio, da quietude – a importância do tédio.
Fonte da capa: Raquel Almeida
Artigo revisto por Pedro Filipe Silva
AUTORIA
A Raquel sempre gostou de ler e escrever. Apaixonada por livros de distopias, decidiu tirar Filosofia, onde passou 3 anos a refletir sobre ética e questões, na maioria das vezes, sem resposta. A vida trouxe-a ao Jornalismo, um interesse que já tinha há muito tempo, e a sua permanente paixão por livros fê-la entrar em Literatura na ESCS Magazine.